Pênis menores
Durante a década de 1990, houve uma
redução na população de jacarés que
habitava os pântanos da Flórida, nos Estados Unidos.
Ao investigar o problema, cientistas perceberam
que os machos da espécie tinham pênis menores do que o normal, além de
apresentar baixos índices do hormônio masculino testosterona.
Os estudos verificaram que as mudanças hormonais
que estavam alterando o fenótipo dos animais e prejudicando sua reprodução
foram desencadeadas por pesticidas clorados empregados em plantações naquela
região.
Menstruação precoce
Mas os problemas não ficaram limitados aos
jacarés.
"Em algumas dessas áreas, meninas
estão menstruando cada vez mais
cedo e, nos homens, o número de espermatozoides despencou nos últimos 50 anos.
Esses são alguns problemas cujos motivos ninguém conseguiu explicar até agora e
que podem estar relacionados a produtos presentes na água que bagunçam o ciclo
hormonal", disse Wilson Jardim, professor do Instituto de Química da
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
O pesquisador conta que
esses contaminantes, chamados emergentes, podem estar por trás de vários outros
efeitos relacionados tanto à saúde humana como aos ecossistemas aquáticos.
Esses produtos químicos eram aplicados de acordo
com a legislação norte-americana, a qual estabelecia limites máximos baseados
em sua toxicidade, mas não considerava a alteração hormonal que eles
provocavam, simplesmente porque os efeitos não eram conhecidos.
Contaminantes emergentes
Assim como os pântanos da Flórida,
corpos d'água de vários pontos do planeta estão sendo contaminados com
diferentes coquetéis que podem conter princípios ativos de medicamentos, componentes
de plásticos, hormônios naturais e artificiais, antibióticos, defensivos
agrícolas e muitos outros em quantidades e proporções diversas e com efeitos
desconhecidos para os animais aquáticos e também para pessoas que consomem
essas águas.
"Como não são aplicados métodos de
tratamento que retirem esses contaminantes, as cidades que ficam à jusante de
um rio bebem o esgoto das que ficam à montante", alertou o pesquisador.
O aumento no consumo de cosméticos, de artigos de
limpeza e de medicamentos tem piorado a situação, de acordo com o pesquisador,
cujo grupo encontrou diversos tipos de produtos em amostras de água retirada de
rios no Estado de São Paulo. O anti-inflamatório diclofenaco, o analgésico
ácido acetilsalicílico e o bactericida triclosan, empregado em enxaguatórios
bucais, são apenas alguns exemplos.
A esses se soma uma crescente coleção de
cosméticos que engorda o lixo químico que vai parar nos cursos d'água sem
receber tratamento algum. "Estima-se que uma pessoa utilize, em média, dez
produtos cosméticos e de higiene todos os dias antes mesmo de sair de
casa", disse Jardim.
Sem uma legislação que faça as empresas de
distribuição retirar essas substâncias tanto do esgoto a ser jogado nos rios
como da água deles captada, tem sido cada vez mais comum encontrar
interferentes hormonais nas torneiras das residências. Os filtros domésticos disponíveis
no mercado não dão conta dessa limpeza.
"Os métodos utilizados pelas estações de
tratamento de água brasileiras são em geral seculares. Eles não incorporaram
novas tecnologias, como a oxidação avançada, a osmose inversa e a
ultrafiltração", disse o professor da Unicamp, afirmando acreditar que
tais métodos só serão incorporados pelas empresas por meio de uma legislação
específica, uma vez que eles encareceriam o tratamento.
Peixes feminilizados
Uma das primeiras cidades a enfrentar esse tipo
de contaminação foi Las Vegas, nos Estados Unidos. Em meio a um deserto, o
município depende de uma grande quantidade de água retirada do lago Mead, o
qual também recebe o esgoto da cidade.
Apesar de contar com um bom tratamento de esgoto,
a água da cidade acabou provocando alterações hormonais nas comunidades de
animais aquáticos do lago, com algumas espécies de peixes tendo apresentado
altos índices de feminilização. Universidades e concessionárias de água se
uniram para estudar o problema e chegaram à conclusão de que o esgoto precisava
de melhor tratamento.
"Foi uma abordagem madura, racional e que
contou com o apoio da população, que se mostrou disposta a até pagar mais em
troca de uma água limpa desses contaminantes", contou Jardim.
Bisfenol A
Alterações como o odor na água são indicadores de
contaminantes como o bisfenol A, produto que está presente em diversos tipos de
plásticos e que pode afetar a fertilidade, de acordo com pesquisas feitas com
ratos no Instituto de Biociências do campus de Botucatu da Universidade
Estadual Paulista (Unesp).
Jardim alerta que o bisfenol A é um interferente endócrino comprovado que afeta
especialmente organismos em formação, o que o torna perigoso no desenvolvimento
endócrino das crianças. Além dele, a equipe da Unicamp também identificou
atrazina, um pesticida utilizado na agricultura.
Não apenas produtos que alteram a produção hormonal
foram detectados na pesquisa, há ainda outros que afetam o ambiente e têm
efeitos desconhecidos no consumo humano. Um deles é o triclosan, bactericida
empregado em enxaguatórios bucais cuja capacidade biocida aumenta sob o efeito
dos raios solares.
Se o efeito individual de cada um desses produtos
é perigoso, pouco se sabe sobre os resultados de misturas entre eles. A
interação entre diferentes químicos em proporções e quantidades inconstantes e
reunidos ao acaso produz novos compostos dos quais pouco se conhecem os
efeitos.
"A realidade é que não estamos expostos a
cada produto individualmente, mas a uma mistura deles. Se dois compostos são
interferentes endócrinos quando separados, ao juntá-los não significará,
necessariamente, que eles vão se potencializar", disse Jardim.
Segundo ele, essas interações são muito
complexas. Para complicar, todos os dados de que a ciência dispõe no momento
são para compostos individuais.
Superbactérias
Outra preocupação do pesquisador é a presença de
antibióticos nas águas dos rios. Por meio do projeto "Antibióticos na
bacia do rio Atibaia", Jardim e sua equipe analisaram de 2007 a 2009 a
presença de antibióticos populares na água do rio paulista.
A parte da análise ficou por conta do doutorando
Marco Locatelli, que identificou concentrações de cefalexina, ciprofloxacina,
amoxicilina e trimetrotrin em amostras da água do Atibaia.
A automedicação e o consumo exacerbado desse tipo
de medicamento foram apontados por Jardim como as principais causas dessa
contaminação que apresenta como risco maior o desenvolvimento de
"superbactérias", microrganismos muito resistentes à ação desses
antibióticos.
O professor da Unicamp reforça a gravidade da
questão da água, uma vez que pode afetar de inúmeras maneiras a saúde da
população e o meio ambiente. "Isso já deve estar ocorrendo de forma
silenciosa e não está recebendo a devida atenção", alertou.
http://www.diariodasaude.com.br/news.php?article=contaminantes-emergentes-agua&id=5797
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