O lado bom dos radicais livres
As espécies reativas de oxigênio (ERO),
muitas vezes designadas como radicais livres, sempre foram vistas como
prejudiciais ao organismo humano, por estarem associadas ao envelhecimento
precoce e a doenças cardiovasculares e neurodegenerativas.
Entretanto, uma pesquisa apresentada ao
Instituto de Ciências Biomédicas (ICB)
da USP comprovou que essas moléculas também exercem um papel importante no
organismo durante a contração muscular: elas informam (sinalizam) às células
que elas precisam alterar o metabolismo para produzirem mais energia a partir
da glicose.
Alterações musculares
"Após uma única sessão de exercício
físico/contração, o consumo de energia aumenta. Então o músculo precisa captar
mais glicose para transformá-la em energia. Com isso, ocorre uma série de
alterações metabólicas no músculo esquelético [músculos ligados aos ossos
e que são responsáveis pela locomoção]: aumento na captação de glicose e na
expressão gênica do transportador de glicose (GLUT-4). Também há aumento na
atividade e expressão gênica de enzimas que metabolizam a glicose, dentre elas
a hexoquinase e a fosfofrutoquinase. As ERO produzidas durante a atividade
contrátil sinalizam essas respostas metabólicas", aponta o autor do
estudo, o fisioterapeuta e fisiologista Carlos Hermano da Justa Pinheiro.
Produção dos radicais livres
De acordo com Pinheiro, os radicais livres são
produzidos continuamente pelo músculo esquelético, mesmo em estado de repouso.
"Cerca de 97% do oxigênio que chega nas células é usado para queimar
glicose (açúcar) e ácidos graxos (gordura) e transformá-los em energia. Os
outros 2% a 3% de oxigênio são transformados em radicais livres", conta. O
peróxido de hidrogênio e o ânion superóxido são alguns exemplos de ERO
produzidas pelo músculo. Ao contrário do superóxido, o peróxido de hidrogênio é
uma molécula reativa mais estável e não é um radical livre.
Neutralização dos radicais livres
Os sistemas antioxidantes enzimático e não
enzimático neutralizam os efeitos deletérios dos radicais livres no organismo.
Uma elevada concentração dessas moléculas nas células caracteriza uma situação
chamada de estresse oxidativo (ou desequilíbrio redox). Isso pode ocorrer
devido ao aumento da produção de ERO ou a uma queda do potencial antioxidante
do tecido.
O fisioterapeuta conta que a maioria dos
trabalhos científicos nesta área abordava apenas o papel os radicais livres e
do estresse oxidativo no envelhecimento e em doenças neurodegenerativas (como
esclerose lateral amiotrófica, Alzheimer e distrofia muscular de Duchenne),
diabetes, etc. Ou seja, os pesquisadores sempre se dedicaram a estudar o
"lado deletério" dessas moléculas reativas derivadas do oxigênio.
"Porém, iniciou-se o questionamento sobre
fato de que as células musculares esqueléticas produzem ERO (espécies reativas
de oxigênio) continuamente em repouso e que, durante a atividade contrátil,
ocorre um aumento substancial na produção dessas moléculas. Isso os levava a
acreditar que as ERO poderiam ter um papel fisiológico. Foi exatamente isso que
comprovamos", aponta Pinheiro.
Células musculares esqueléticas
Os ensaios foram realizados por meio de cultura
primária de células musculares esqueléticas de ratos. "Sob estimulação,
essas células se contraem, reproduzindo a contração muscular. A vantagem de
usar este modelo é que a célula fica isolada e não sofre influência de outras
células", explica o pesquisador.
Para simular a contração muscular, foi realizada
a eletroestimulação das células, por meio de eletrodos de platina. A
eletroestimulação induziu contrações de intensidade baixa a moderada. Com uso
de sonda fluorescente, o pesquisador verificou que, após a estimulação, havia
um aumento na produção de ERO, quando comparado ao grupo controle (que não
recebeu estimulação).
Antioxidantes
Em outro experimento, as células foram
previamente tratadas com o antioxidante N-acetilcisteína (NAC). Após 24 horas,
foi verificado que a cultura de células tratadas com o NAC tinham uma menor
quantidade de peróxido de hidrogênio detectado no meio extra-celular após as
contrações, em comparação ao grupo controle (que não recebeu NAC).
Nessas células a captação de glicose, atividade
de enzimas glicolíticas, produção de lactato e expressão de genes envolvidos na
regulação do metabolismo de glicose como GLUT-4, hexoquinase e
fosfofrutoquinase foram diminuídas. "Quando as células foram tratadas com
peróxido de hidrogênio exógeno em concentração baixa/moderada observamos as
mesmas alterações acima citadas. Já, em concentrações elevadas, o mesmo efeito
não era observado", conta.
Sinalização redox
Os mecanismos precisos envolvidos nessa
sinalização (chamada de sinalização redox) ainda não estão muito claros e
necessitam de outras pesquisas.
"Acreditamos que quando em concentração
baixa/moderada as ERO causariam oxidações reversíveis em proteínas reguladoras
(como enzimas e fatores de transcrição de genes) e modulariam a função celular
por alterar transitoriamente a estrutura de moléculas (ativando-as ou
inibindo-as) que regulam funções importantes. Já em concentrações elevadas
(como no estresse oxidativo) ocorreriam mais oxidações irreversíveis e
prejuízos para célula. Talvez o xis da questão em muitas doenças crônicas
ligadas ao estresse oxidativo não seja a produção elevada de ERO, mas a
diminuição das defesas antioxidantes no tecido o que levaria ao aumento dessas
oxidações irreversíveis".
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