Menos de 10% dos médicos da família do Brasil têm especialização na área
Ele chama o paciente pelo nome, sabe a lista de remédios que toma,
quais doenças já teve e até quando é hora de tomar vacina. No dia a dia,
o médico de família ainda faz visitas domiciliares, checa exames de
rotina e dá bronca se as orientações não são seguidas à risca.
Essenciais em comunidades carentes, eles conseguem resolver mais de 80%
dos problemas de saúde que afligem a população, mas encontrá-los no
Brasil não é tarefa fácil. São apenas 3.253 profissionais
especializados, para uma demanda crescente, já estimada em 100 mil.
Pouco valorizada, a especialidade tem nome: Medicina de Família e
Comunidade. Quem cursa está capacitado para atuar com políticas públicas
específicas da atenção básica, como o Programa Saúde da Família (PSF),
criado em 1994 pelo governo federal com o objetivo de proporcionar
atenção integral à saúde do paciente. De lá para cá, porém, a residência
na área pouco cresceu, apesar de cerca de 35 mil médicos trabalharem no
ramo atualmente - mais de 90% sem a especialização.
Dar prioridade à atenção básica é uma das bases do Mais Médicos, do
governo Dilma Rousseff. Tanto os brasileiros quanto os estrangeiros
inscritos no programa vão trabalhar na chamada "porta de entrada" do
sistema, que, bem estruturado, consegue resolver os problemas mais
corriqueiros da população, como tratamento de doenças crônicas,
atendimento de pré-natal e oferta de vacinas.
Segundo o Ministério da Saúde, há 34.185 equipes de PSF espalhadas
pelo País. Juntas, elas alcançam 55,4% da população, ou 108 milhões de
brasileiros. A meta do governo é atingir 75% de cobertura em 2020. Para
isso, pelo menos mais 15 mil equipes devem ser formadas até lá. "Hoje,
temos como investir nesse objetivo. Em 2012, o orçamento do programa
chegou a R$ 3,2 bilhões. O que mais dificulta a expansão é a falta de
médicos", afirma o diretor do Departamento de Atenção Básica do
ministério, Heider Pinto.
Além do médico, enfermeiro, auxiliares de enfermagem, dentistas e
agentes comunitários formam uma equipe de saúde da família. Na média,
oito a dez profissionais trabalham em conjunto no atendimento de uma
comunidade formada por 3 mil a 4 mil famílias.
Para o gestor, a ampliação da capacidade do programa passa pela
restruturação do mercado, que não valoriza a formação generalista, e da
universidade, que não investe na formação, seja com a oferta de vagas em
residência ou cursos de capacitação. "Esse processo ainda passa por uma
mudança cultural. Mesmo o paciente se sente mais importante quando vai a
um especialista", diz.
O número escasso de vagas para a residência explica parte do déficit.
Por ano, são 900 colocadas à disposição dos estudantes. Considerada a
mais conceituada do País, a Faculdade de Medicina da Universidade de São
Paulo (USP) só oferece dez vagas, enquanto cardiologia tem 175 e
neurologia, 123.
Incompletas. Na teoria, a medicina da família deve ser caracterizada
pela atenção integral à saúde do paciente, a partir da criação de
vínculos diretos com seus familiares e com a comunidade onde ele está
inserido. Na prática, porém, o que se vê muitas vezes no Brasil é a
completa descaracterização do conceito, com equipes trabalhando sem
médicos ou médicos presos nas unidades básicas para suprir a demanda por
medicina de urgência e emergência.
Na capital paulista, por exemplo, 13,2% das 1.288 equipes trabalham
atualmente sem médicos. Outras 137 dão um "jeitinho" para manter os
profissionais, com oferta de plantões reduzidos, de 20 horas semanais.
A dificuldade em atrair médicos para atuar nas periferias de São
Paulo é refletida no número de consultas médicas realizadas pelo
programa. No ano passado, foram 3,8 milhões. Ou seja: há pacientes que
passam o ano todo sem ter contato com seu médico de família. Quadro que
se repete em todo o País, até dentro das universidades.
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