Benefícios físicos e mentais do tai chi chuan atraem cada vez mais a atenção de psicólogos e neurocientistas
por Paola Emilia Cicerone
Vestidos com roupas orientais,
chineses idosos se movem em suave sincronia. Reina o silêncio. Para os
ocidentais essa é a representação mais fiel de uma antiga arte marcial chinesa
surgida no século XIII. Proibida durante décadas pelo regime de Mao Tse-tung, a
técnica ressurgiu há pouco mais de 30 anos. Hoje, o tai chi chuan, que quer dizer
"luta do pólo supremo", está difundido também no Ocidente em razão
dos benefícios que traz ao corpo e principalmente à mente. Mesmo sem atingir o
nível de popularidade da ioga, vem atraindo a atenção da comunidade científica
para as vantagens que oferece a quem o pratica com assiduidade.
Embora seja freqüentemente
descrita como ginástica suave, uma forma de meditação em movimento ou dança, as
raízes do tai chi chuan - ou simplesmente tai chi - estão nas artes marciais. É
considerado, aliás, uma representação de conflitos internos expressos por meio
dos movimentos. A técnica faz parte do que os chineses denominam wu shu, que
nós, ocidentais, chamamos kung fu. De fato, na tradição oriental, o tai chi é
definido como um "combate com a sombra". "As artes marciais mais
conhecidas no Ocidente, como o karatê e o kung fu, as quais têm como objetivo
infligir o maior dano possível ao adversário, na verdade são apenas um rascunho
da original, cuja orientação básica é atingir o autoconhecimento e o controle
do indivíduo", explica Marco Montagnani, professor de acupuntura e
especialista em medicina tradicional chinesa. "Para o praticante de artes
marciais, como o próprio o tai chi chuan, a idéia central é evitar o combate
sempre que possível ou tornar o adversário inofensivo com o mínimo
indispensável de violência", diz.
A técnica ocupa papel
intermediário entre as técnicas de combate propriamente ditas e um tipo de
ginástica terapêutica denominada qi gong. "Ele nasceu como uma arte
marcial que tem também propriedades medicinais", explica Lucio Sotte,
médico acupunturista e diretor da Revista Italiana de Medicina Tradicional
Chinesa. Para muitos mestres, certas formas de execução do tai chi são
consideradas qi gong. Sonia Baccetti, do Centro de Medicina Tradicional Chinesa
Flor de Ameixa, em Florença, tem uma visão diferente. "Segundo os textos
clássicos, o tai chi permite reequilibrar a energia e promover a saúde geral,
enquanto o qí gong trata órgãos específicos. Ambas as técnicas usam movimento e
respiração consciente para reativar a circulação energética". Para a medicina chinesa, a
saúde depende de uma boa circulação da energia, "pois as patologias nascem
da estase, uma espécie de estagnação que pode surgir por vários fatores, como
maus hábitos alimentares ou o que os chineses chamam 'energias externas
perversas', como variações climáticas extremas, infecções ou emoções negativas
intensas", diz a especialista. Segundo ela, o objetivo do tai chi é
reproduzir no corpo os movimentos cíclicos do Universo, da aurora ao
crepúsculo, do nascimento à morte; até que se entre em sintonia com o que nos
circunda. Cada mestre cria seu estilo, que deve, no entanto, respeitar os
princípios básicos da tradição", conclui. O tai chi praticamente
não tem contra-indicações, exceto para quem sofre de lesões musculares (nesses
casos, é necessário consultar um médico). Outra vantagem é que pode ser
praticado por pessoas de todas as idades, em qualquer lugar, individualmente ou
em grupo. Tudo
que é necessário para executar as seqüências de movimentos lentos e fluidos -
geralmente definidos por nomes pitorescos como "vigiar o macaco" ou
"o gavião abre as asas" - é um espaço relativamente pequeno e um par
de calçados confortáveis. Isso não significa, porém, que se trata de um
exercício fácil, apesar de os mestres ocidentais terem simplificado o método de
ensino tradicional. Aprender tai chi chuan leva tempo, mas os benefícios não
tardam a aparecer. "Quem faz logo percebe os resultados terapêuticos, que
se intensificam com a experiência e podem levar, em uma década, a verdadeiras
mudanças de caráter", afirma Marco Montagnani.
O aprendizado do tai chi se
divide em três grandes fases. A primeira é dedicada ao tiao shen, a
harmonização corporal. Nela o praticante conhece os limites do próprio corpo e
melhora a coordenação motara, a circulação sangüínea e a capacidade articular.
Além disso, os exercícios freqüentemente auxiliam também na expressão de
emoções.
Uma vez aprendidos os movimentos
básicos, começa a chamada harmonização respiratória, o tiao xi, etapa em que,
segundo especialistas, é favorecida a qualidade do sono, do humor e da vida
afetiva. Nessa fase se aprende a levar a respiração até o umbigo, um centro
energético, segundo os chineses, o que ajuda a controlar, por exemplo,
ansiedade e ataques de pânico. "Não é à toa que quando estam os ansiosos
tendemos a respirar com o tórax", explica Sonia Baccetti.
A última fase do aprendizado,
atingida apenas pelos mais assíduos, é chamada harmonização do coração, ou tiao
xin - a medicina tradicional chinesa atribui ao coração as funções da mente.
Nesse ponto o praticante desenvolve habilidades que melhoram o relacionamento
com os outros e consigo mesmo. Alguns estudos mostram que, exercitado durante
anos, o tai chi ajuda a tomar consciência dos próprios limites e
potencialidades. Se na fase anterior os exercícios combatiam a ansiedade, aqui
são observados benefícios nos estados depressivos.
Dentre as medicinas tradicionais
do Oriente, a chinesa certamente é a mais estudada. Em bancos de dados da
literatura científica, como o PubMed, há milhares de referênncias,
principalmente sobre acupuntura e qi gong. "Sabemos, por exemplo, que o
efeito analgésico da acupuntura pode ser explicado pela ativação de vias
neurais inibitórias, que conseguem bloquear o percurso do estímulo doloroso da
periferia até o sistema nervoso central", explica Baccetti. Segundo ela,
técnicas de neuroimagem como a tomografia por emissão de pósitrons (PET)
mostram que a estimulação de alguns pontos do corpo ativa áreas específicas do
cérebro, enquanto outros agem sobre o sistema imunológico ou regulam a produção
de hormônios.
As pesquisas científicas sobre
tai chi chuan, entretanto, apresentam limitações metodológicas que vão além das
dificuldades comuns no âmbito da medicina preventiva. Uma delas é o período
relativamente longo de aprendizagem, diferentemente do qi gong, que se baseia
também em exercícios estáticos, mas bem mais simples de executar. "Em
geral os ensaios clínicos não duram o suficiente para avaliar os reais
benefícios dessa arte porque ela exige tempo e aplicação", diz Fuzhong Li,
do Instituto Oregon de Pesquisa, que coordenou um estudo cujos resultados
mostraram como o tai chi melhora o equilíbrio e previne quedas em idosos.
"Uma das coisas que tendemos a esquecer quando estudamos os efeitos do tai
chi é que a qualidade do instrutor conta muito e pode influenciar decisivamente
os resultados", diz.
Apesar das dificuldades, o número
de pesquisas sobre o tai chi chuan está se multiplicando rapidamente nos
últimos anos, principalmente depois de uma excelente metanálise publicada em
2004 por Chenchen Wang, reumatologista do Centro Médico Tufts-New England, em
Boston. "Pratico tai chi ocasionalmente, mas sou antes de tudo uma
pesquisadora interessada em seus efeitos no organismo e no cérebro",
explica a pesquisadora americana de ascendência chinesa. Vários estudos que
fizeram parte da metanálise mostram que o tai chi pode, após um período
relativamente breve (seis meses), aliviar a depressão e melhorar claramente
indicadores psicológicos de bem-estar, tanto os ligados à percepção da própria
saúde como os relativos à satisfação e à auto-estima. Outros estudos indicam
ainda que o tai chi melhora a coordenação visual e motora e pode ajudar pessoas
com demência leve a desfrutar melhor as próprias capacidades. "Entretanto,
nenhuma dessas pesquisas é conclusiva, faltam evidências mais convincentes
sobre os mecanismos de ação que justifiquem os resultados observados",
adverte a pesquisadora.
De modo geral, os trabalhos
analisados por Wang mostram que o tai chi melhora o equilíbrio e a mobilidade
articular e ajuda a combater a hipertensão. Segundo ela, porém, "há muito
para investigar ainda, por exemplo: quais estilos da técnica garantem maiores
benefícios; quanto se deve exercitar e quais suas reais vantagens".
Análises anteriores, como a realizada em 2003 no Centro Médico Erasmus, de
Roterdã, fornecem resultados menos precisos, mas se justificam pela dificuldade
de encontrar estudos com metodologia adequada. Mais recentemente, Wang publicou
um levantamento sobre os efeitos da técnica chinesa em pacientes com artrite
reumatóide, nos quais foram observados resultados promissores, seja no plano
físico, seja no psicológico.
Provavelmente é longo o caminho
da investigação científica sobre os possíveis benefícios do tai chi na saúde
física e mental. Considerando, porém, que uma tradição leva séculos para se
estabelecer - se não milênios -, vale a pena ter paciência e aprender a
esperar.
Efeitos terapêuticos
testados
Músculos:
estudo de 2005 do Centro de Controle e Prevenção de Doenças, em Atlanta,
mostrou que o tai chi fortalece a musculatura postural e previne quedas em idosos. Outros
estudos observaram redução na perda detecido ósseo em mulheres na
pós-menopausa. Quem sofre de artrite reumatóide parece também se beneficiar dos
exercícios chineses, que melhoram a mobilidade das articulações, especialmente
das pernas e do quadril.
Coração:
o tai chi favorece a qualidade de vida e diminui a intensidade dos sintomas de
portadores de insuficiência cardíaca crônica, segundo pesquisa realizada na
Falculdade de Medicina da Universidade de Harvard. No ano seguinte, estudo da
Universidade de Liverpool Mostrou que essa prática é capaz de iminuir a pressão
arterial em mulhres de meia-idade.
Imunidade:
portadores de Herpes zoster apresentaram melhora na resposta imunológica,
especialmente indivíduos com saúde mais debilitada, segundo estudo do Centro
Cousins de Psiconeuroimunologia da Universidade da Califórnia em Los Angeles.
Sono:
praticado três vezes por semana furante seis meses, o tai chi aumenta a
qualidade e a duração média do sono e é mais eficaz que programas equivalentes
de ginástica de baixo impacto, de acordo com trabalho realizado no Instituto de
Pesquisa de Oregon.
Auto-estima:
a técnica foi considerada eficaz e contribui para a auto-estima e para a
qualidade de vida de mulheres com câncer de mama, segundo pesquisa da
Universidade de Rochester.
Para conhecer mais Effect of tai chi chuan in adults with
rheumatoid arthritis. C. Wang et al., em Rheumatology, vol. 44, nº 5,
págs. 685-687, 2005.
The effect of tai chi on health outcomes in
patients with chronic conditions: a systematic review. C. Wang et al.,
em Archives of Internal Medicine, vol. 164, nº 5, págs. 493-501, 2004.
Sociedade Brasileira de Tai Chi
Chuan - www.sbtcc.org.br
http://www.methodus.com.br/artigo/191/equilibrio-zen.html
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