“O sistema atual de
educação se preocupa
mais em transmitir aos
alunos pacotes
de ensino do que em
fazê-los pensar”
(Oswaldo Frota Pessoa)
Prof. Sohaku R. C.
Bastos
Atualmente, existe uma preocupação com o que se aprende nas
instituições educacionais de Acupuntura e Medicina Chinesa em todo o mundo.
Alguns depoimentos de jovens profissionais de Acupuntura e Medicina Chinesa,
outros de alunos, e algumas performances de trabalho, tudo isso somado às
nossas observações ao longo do tempo, levam-nos a concluir que se impõe uma tomada
de posição quanto à validade do que se ensina através dos modelos educacionais contemporâneos
dessa área do conhecimento, entendendo-se a expressão “modelos educacionais” em
sua cruel conotação de cristalização, tabu, preconceito, valores intocáveis e imutabilidade
convencionais.
Devido à inércia dos educadores mais experientes, foi-se
perpetuando, quase que numa acomodação insensata, uma cultura de repetição de
conteúdos, plágios de teorias e métodos, e imitação de intervenções
terapêuticas, absolutamente incompatíveis com a atual e irreversível integração,
de conhecimentos e práticas, oriunda da fusão do autêntico saber tradicional da
Medicina Chinesa com o saber científico, fruto das pesquisas em todo o mundo.
Lamenta-se, também, que a maioria dos profissionais de Acupuntura desconheça,
entre outras normas nacionais e internacionais, as Diretrizes da Organização
Mundial da Saúde (OMS), mormente o “Guideline on Basic Training and Safety in
Acupuncture”, de 1995. A referida recomendação aborda, entre outras
orientações, temas relacionados à biossegurança no exercício da Acupuntura no
que tange aos possíveis acidentes durante o ato acupuntural. Outras normas
vigentes no Brasil apontam para os cuidados com resíduos químicos, instrumental
perfuro-cortantes, esterilização e higienização, cuidado com material biológico
e descarte. Nada disso, ou muito pouco, é enfatizado no ensino da Acupuntura no
país.
A verdade é que um expressivo número de alunos, que concluem
os cursos de Acupuntura e MTC, no Brasil e no Exterior, não se sente seguro e
preparado para o exercício da profissão. A carência da obediência ao rito
acadêmico do acompanhamento do aprendizado teórico e prático e da devida
avaliação do conhecimento, consoante o perfil profissiográfico, tem prejudicado
o resultado final da formação dos acupunturistas e dos terapeutas de Medicina
Chinesa, comprometendo a qualidade profissional. Por este motivo, a busca por
cursos complementares de curta duração tem se transformado em dúbia alternativa
que, se por um lado desperta o interesse do profissional por novos
conhecimentos, por outro lado esses novos conhecimentos não satisfazem, posto
que sem uma sólida base clínico-acadêmica não haverá aproveitamento do que lhe
for ensinado. Improdutivamente, de curso livre em curso livre, o aluno imagina
aprender o que não lhe foi ensinado na formação básica. Tal situação,
principalmente no Brasil, tem resultado, em um impressionante boom de cursinhos
de curta duração, alguns dos quais absolutamente inconsistentes, que dão ao
estudante uma sensação equivocada de segurança afetivo-laboral. Há, todavia, em
algumas entidades educacionais, a promoção de cursos de extensão universitária
de boa qualidade, que estão de acordo com as diretrizes acadêmico-científicas
adotadas, especialmente, em países nos quais a Acupuntura e a Medicina Chinesa
são práticas consagradas.
A inexistência de legislação específica, que discipline o
exercício profissional da Acupuntura e MTC, no Brasil, constitui-se em um fator
de limitação para o desenvolvimento do ensino desta atividade. Contudo, no ano
de 2001, surgiu uma regulamentação educacional, que foi a Deliberação CEE/RJ
no270/01, a qual instituiu as ”Diretrizes Curriculares Complementares para a Educação
Profissional de Nível Técnico em Acupuntura, Shiatsuterapia e Terapias Naturais
no Estado do Rio de Janeiro”. Na ocasião, a referida legislação serviu de
modelo para outros estados.
Na qualidade de Conselheiro de Educação do Governo do Estado
do Rio de Janeiro, coube a mim a relatoria da mencionada legislação, que foi
aprovada por unanimidade e homologada pelo Governador. (http://www.cee.rj.gov.br/coletanea/d270.pdf).
As Federações Mundiais de Acupuntura e Medicina Chinesa
(World Federation of Acupuncture-Moxibustion Societies – WFAS, e a World
Federation of Chinese Medicine Societies – WFCMS), sensíveis à realidade da
Acupuntura e da Medicina Chinesa como um todo no mundo, têm apontado para a
necessidade da integração do saber tradicional da Medicina Chinesa com o conhecimento
científico, criando uma nova e atual formação profissional. A prova disso são
os conteúdos dos últimos exames de proficiência e acreditação Internacional em
Acupuntura e MTC promovidos por essas duas maiores entidades mundiais, além da
política internacional de nivelamento profissional em nível de excelência, que
ocorre em mais de 50 países, especialmente naqueles mais desenvolvidos.
Neste ensejo, estimaríamos muito ter a valiosa colaboração
dos professores mais experientes no sentido de, gradativamente, procedermos a
uma radical revisão dos conteúdos programáticos dos cursos de Acupuntura e
Medicina Chinesa, no Brasil. A adoção de novos conhecimentos científicos válidos
e o expurgo de conteúdos alienígenas à verdadeira tradição da Medicina Chinesa
é de fundamental importância, porém, não se tratando de um expurgo que
signifique uma mera poda, mas um expurgo do qual resulte uma programação
racional, pragmática, útil, tendo como tônica conhecimentos e práticas
verdadeiros e com real efeito multiplicador, que instruam o fundamental, o
essencial, ao invés de entupir o aluno de entulhos quantitativos, absolutamente
desnecessários, e de iludi-lo pela banalidade de conteúdos pseudoacadêmicos.
Evidentemente, tal reformulação educacional não é tão fácil
de ocorrer em curto prazo pelo fato da heterogeneidade, melhor dizendo, da
diversidade de conteúdos e de ensinamentos repetidos no decorrer de anos a fio,
sem uma devida autocrítica programática institucional, ter imposto uma ditadura
da acomodação.
Os alunos e profissionais repetem teorias, decoram textos,
copiam práticas, contudo, carecem de raciocínio clínico e de visão terapêutica
integrada. Presos, muitas vezes, a protocolos e a verdadeiras “receitas de
bolo” em suas prescrições e procedimentos, circunscrevem o seu espectro
terapêutico-assistencial, deixando de atender integralmente ao seu paciente.
Estabelece-se, destarte, uma improdutiva mentalidade de
autolimitação, de desmotivação para a pesquisa, e de inércia pragmática. Tudo
isso é agravado pela incompetência docente, fato notório é a existência de
professores sem qualificação para o exercício do magistério nesse sensível campo
do saber, na qual a carência de professores bem preparados é uma infeliz
realidade.
Para alcançar êxito na formação profissional nessa área, é
necessária, basicamente, a criação de uma política educacional consensual, que
enfatize a melhor formação em Acupuntura e Medicina Chinesa, estabelecendo o
que se vai ensinar e o que se deve, efetivamente, aprender, expurgando o que
não funciona, o que pode prejudicar o paciente, o que é mistificação, e tudo
aquilo que é, absolutamente, desnecessário. Desta forma, estaremos mais
próximos da realidade acadêmico-profissional internacional, e de acordo com as
Diretrizes e as Recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS), visando à
proteção do paciente e a segurança social.
Finalmente, ressaltamos a importância dos professores mais
experientes colaborem entre si e das entidades educacionais cooperarem umas com
as outras para que se possa reverter esta condição atual de mediocridade
acadêmica e esse estado de acomodação infecundo do aprendizado e do ensino em
Acupuntura e Medicina Chinesa, sobretudo no Brasil.
Dr. Sohaku R. C. Bastos
Sohaku Bastos é o fundador do Sistema Educacional
ABACO/CBA/IPS/FSJT e Diretor para o Brasil da World Federation of Acupuncture-Moxibustion
Societies (WFAS), vinculada à Organização Mundial da Saúde (OMS). Exerce o
magistério e atividade clínica em Acupuntura e MTC há 46 anos, no Brasil e no
Exterior. Diretor da Associação Brasileira de Educação (ABE), exerceu o cargo
de Conselheiro Estadual de Educação do Governo do Rio de Janeiro e, na
qualidade de membro da Câmara Conjunta de Educação Superior e Profissional, foi
o Relator da primeira legislação de educação profissional em Acupuntura e
Terapias Naturais no Brasil - Deliberação CEE/RJ no 270/2001.
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