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Saturday, 2 August 2014

A HISTÓRIA DA ACUPUNTURA E DA MEDICINA CHINESA: NO BRASIL E NO MUNDO



"A história é testemunha do passado,  
luz da verdade, vida da memória,
mestra da vida anunciadora dos tempos antigos."    
(Marcus Tullius Cícero - Roma, - 116 à - 43 A.C.)


 Prof. Sohaku Bastos

Dominar o conhecimento do passado ajuda a controlar o presente. Por outro lado, contar fatos supostamente ocorridos, quando inverídicos, reforça, socialmente, o que nunca existiu. Legitima-se,por meio da repetição e da multiplicação midiática, a distorção histórica dos fatos, transformando mentiras em verdades. Em alguns setores da sociedade se estabeleceu a “estória” se passando por história, mediante a manipulação de dados narrados pelos aproveitadores, pelos mais poderosos e pelos vencedores de conflitos e de guerras.
Muitas histórias da Acupuntura e da Medicina Chinesa são verdadeiros mitos. Algumas referências históricas não se impõem frente às pesquisas arqueológicas e ao crivo racional do estudo de obras e documentos históricos. Até o momento, os historiadores chineses ainda buscam mais evidencias e comprovações daquilo que é divulgado como verdade histórica.
Ao visitar o Museu da Medicina Tradicional Chinesa, em Beijing, China, pude contemplar a riqueza histórica dessa arte-ciência milenar. Muitos pesquisadores durante séculos se debruçaram sobre a magnitude histórica da Medicina Chinesa. Entretanto, ocorreram transformações políticas e conflitos na China durante o século XX, que abalaram as tradições e influenciaram a vida social e institucional do país. A Medicina Chinesa em alguns períodos da história política da China foi abandonada pelo poder público por influencia dos interesses da medicina ocidental. Períodos de conflito social impuseram severas baixas no emprego da Medicina Chinesa no país, agravando-se no governo de Chiang Kai-Shek, no qual um número expressivo de mestres de Medicina Chinesa emigrou para o exterior, sobretudo para Taiwan. O domínio Britânico, a invasão japonesa na China e o crescimento do Partido Comunista Chinês, além do advento da segunda guerra mundial ocasionaram um caos político-social no país, que só cessou com a tomada do poder pelos comunistas liderados pelo Mao Tsé Tung.
A posição de Mao Tsé Tung, quanto ao aproveitamento da Medicina Chinesa, era que ela deveria se integrar à Medicina Ocidental, herança dos colonizadores britânicos. Tal integração visava atender a imensa população do país que carecia de quase tudo, inclusive de alimentação, higiene, saneamento básico etc. O desafio de atender milhões de chineses levou o governo a criar formas especiais de formação em Medicina Chinesa de curta duração. Assim nasceram os “médicos pés-descalços” (Barefoot Doctors), que se instalaram nas “comunas” para socorrer as populações mais carentes.

Entre os anos de 1966 a 1976, Mao promoveu a Revolução Cultural, visando, entre outras coisas, tornar menos elitistas os sistemas educacional, cultural e de saúde da China. Durante este período sucedeu à adoção do termo “Medicina Tradicional Chinesa” em lugar de “Medicina Chinesa”. Mao lutou contra uma classe intelectual separada da grande massa populacional. A Revolição Cultural ao mesmo tempo em que resgatou e revitalizou a Medicina Chinesa milenar, também tentou promover uma integração dessa sabedoria médica tradicional com os conhecimentos científicos ocidentais.
Pragmaticamente, não era uma má ideia, mas como conectá-las no campo clínico já que se tratam de paradigmas distintos, com nomenclaturas, racionalidades e filosofias díspares? Esse desafio existe até o presente.
Um segmento da medicina ocidental, ao incorporar a Acupuntura às suas práticas tem tentado invalidar as teorias tradicionais da Medicina Chinesa, transformando a Acupuntura numa mera técnica terapêutica complementar, proscrevendo toda a tradição e conhecimentos milenares, dando-lhe outra roupagem. Devido a esse problema, órgãos da administração estatal da Medicina Chinesa da República Popular da China estabeleceram critérios acadêmicos e assistenciais, além de medidas de proteção histórica desse patrimônio cultural do país.
Devido a tantas narrativas que ocorreram no passado com a Medicina Chinesa no mundo, naturalmente, muitas manipulações históricas aconteceram e acontecem no Ocidente, no Brasil particularmente. A verdadeira história da Acupuntura no Brasil ainda está para ser escrita. A maioria das versões históricas são incompletas, simplórias ou direcionadas com finalidade de autopromoção ou por absoluta falta de informação de quem escreveu. A verdade histórica da Acupuntura no Brasil necessita ser resgatada. Ao esquecer os colegas pioneiros da luta pela Acupuntura como terapêutica independente da medicina convencional, não apenas aqueles que estão vivos, sobretudo os que já morreram há muitos anos, subverte-se a verdade histórica e enaltece-se a aleivosia. Infelizmente, trabalhos acadêmicos universitários foram realizados e fundamentados em histórias incompletas, fictícias ou equivocadas da Acupuntura brasileira. Muitas informações históricas importantes podem ser encontradas nas representações diplomáticas e consulares do Japão e da China no Brasil, remontando às imigrações, japonesa e chinesa, ocorridas há mais de um século.
Ao consultar dados históricos da Acupuntura e da MTC no Brasil, deparamo-nos com referências absolutamente conflitantes. As instituições médicas brasileiras de Acupuntura investem em informações que não condizem com a verdade histórica, visando fortalecer seus discursos corporativistas. Por outro lado, dirigentes de instituições particulares resolveram escrever a história da Acupuntura brasileira de acordo com seus interesses e intenções. A verdade é que os alunos e a sociedade em geral tomam ciência de informações falaciosas ou equivocadas, via internet, e repassam dados equivocados para frente.
É próprio da liberdade, entretanto, deixar que haja mais de uma versão histórica, as quais possam coexistir e até se contestarem, porém abrigar uma reelaboração da História com vista à institucionalização da mentira e de objetivos comerciais, até mesmo do fortalecimento do autorreconhecimento social e profissional, não pode e não deve ser tolerado. A memória coletiva e a memória das sociedades rejeitam a legitimação do erro histórico, pois sabemos que legitimar é dominar. Elaborar a História a partir de uma só fonte, geralmente autorreferencial, cheira a tirania ou impostura.
Os dirigentes de instituições de ensino da Acupuntura e MTC do Brasil, que poderiam se unir para fomentar uma pesquisa isenta sobre essa matéria histórica, por questão de vaidade e de concorrência de mercado na captação de alunos, muitas vezes não nutrem muita confiança uns pelos outros, acenando com simpatia apenas quando há “coincidência de interesses”. Por este e outros motivos, as versões históricas da Acupuntura no Brasil vão de relatos convincentes a pitorescas fantasias autoalusivas.
Aristóteles, filósofo grego, no terceiro século antes de Cristo, já dizia: "O historiador e o poeta não se distinguem um do outro pelo fato de o primeiro escrever em prosa e o segundo em verso. Diferem entre si, porque um escreveu o que aconteceu e o outro o que poderia ter acontecido."
Consideremos, então, que o que escreveram de equivocado sobre a história da Acupuntura no Brasil não se trata da prosa de um historiador, mas de verso de um poeta...
Oxalá, aqueles que, ao lerem este artigo, possam fomentar uma discussão ética, uma pesquisa isenta sobre a memória histórica da Acupuntura e da Medicina Tradicional do país.

Dr. Sohaku R. C. Bastos

Sohaku Bastos é o fundador do Sistema Educacional ABACO/CBA/IPS/FSJT e Diretor para o Brasil da World Federation of Acupuncture-Moxibustion Societies (WFAS), vinculada à Organização Mundial da Saúde (OMS). Exerce o magistério e atividade clínica em Acupuntura e MTC há 46 anos, no Brasil e no Exterior. Diretor da Associação Brasileira de Educação (ABE), exerceu o cargo de Conselheiro Estadual de Educação do Governo do Rio de Janeiro e, na qualidade de membro da Câmara Conjunta de Educação Superior e Profissional, foi o Relator da primeira legislação de educação profissional em Acupuntura e Terapias Naturais no Brasil - Deliberação CEE/RJ no 270/200

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