Total Pageviews

Saturday, 2 August 2014

50 ANOS DE REDENÇÃO DA ACUPUNTURA NO BRASIL



Prof. Sohaku Bastos

Ao ler a Nota Técnica do Ministério da Saúde de 26 de setembro de 2013, que conclui não existir impedimentos legais quanto à atuação de diferentes profissionais de saúde no uso da Acupuntura, bem como para os demais recursos da Medicina Tradicional Chinesa - MTC voltados ao cuidado da população, recordo-me de meio século de sofrimento e humilhação daqueles que enfrentaram o poder da repressão, da perseguição e, algumas vezes, execrados do exercício da Acupuntura no Brasil.
Não obstante a inexistência de uma legislação federal, que discipline o exercício da Acupuntura e MTC no país, todos os verdadeiros acupunturistas brasileiros comemoraram os vetos da Presidente Dilma Rousseff ao projeto de lei sancionado em lei, que regulamentou o exercício da medicina no país. Tais vetos impediram que a Acupuntura se tornasse uma prática estritamente médica e jogaram por terra a ambição ambígua e mesquinha de uma corporação profissional que por um determinado tempo proibia os médicos de praticarem a Acupuntura e, posteriormente, tentou, por todos os meios, inclusive judicial e demanipulação midiática, proibir os outros profissionais da saúde em exercê-la. A aludida corporação é o Conselho Federal de Medicina, associado aos Conselhos Regionais de Medicina e as entidades associativas da autointitulada Acupuntura Médica no país.
A maioria dos profissionais de Acupuntura e MTC do Brasil desconhecem, lamentavelmente, a história, uma verdadeira façanha dos esquecidos pela história mal contada da Acupuntura brasileira. O que ocorreu nos últimos 50 anos no país em relação à libertação do exercício profissional da Acupuntura merece, no mínimo, uma recordação pesarosa, uma lembrança singela daqueles que enfrentaram o radicalismo, e os vivos ainda sofrem com as sequelas deixadas pela praga do corporativismo perverso, dissimulado e manipulador.
Alguns viraram a página dessa infeliz história, mas não podemos apagar da memória o que aconteceu de mal, e o legado da liberdade profissional deixado para os novos acupunturistas.
A verdadeira história da Acupuntura brasileira, como eu tenho dito, ainda está para ser escrita. Versões históricas incompletas e confusas carecem de autenticidade. A verdadeira história da Acupuntura no Brasil necessita ser resgatada. Ao esquecer os colegas pioneiros da luta pela Acupuntura como terapêutica independente da medicina convencional, não apenas os que estão vivos, sobretudo os que já morreram há muitos anos, subverte-se a verdade histórica e enaltece-se a aleivosia. Muitas informações históricas importantes poderiam enriquecer os dados dos historiadores a partir de informações que podem ser obtidas

nas representações diplomáticas e consulares do Japão e da China no Brasil, remontando à imigração japonesa e chinesa ocorrida há mais de um século no país.
Ao recordar dos antigos colegas perseguidos e humilhados, alguns já falecidos, outros no abandono do anonimato e esquecidos, deixo-me envolver por um sentimento de saudade em escrever estas palavras.
De saudade dos companheiros que se uniram por uma causa heroica, insólita e extraordinária, e de orgulho por ter participado daquela geração que alimentava sonhos, ideologias e pureza de espírito. Ao mencionar alguns colegas corro o risco de esquecer alguns, mas fica aqui a minha homenagem a todos eles, considerando a minha humilde participação nessa história.
Primeiramente, os acupunturistas japoneses e chineses, que chegaram ao Brasil no início do século passado e que trabalharam clandestinamente sob a ameaça de serem presos por crimes de curandeirismo e charlatanismo, posteriormente, os acupunturistas mais novos, acusados, absurdamente, de exercício ilegal da medicina. Muitos foram vítimas de perseguições, que se tornaram públicas, dentre eles, o nome dofalecido professor Friedrich Spaeth. Lembro-me do Prof. Murata, meu primeiro incentivador no estudo da Acupuntura, no início dos anos 60, na Liberdade, em São Paulo, quando me confidenciou o medo de ser preso por praticar acupuntura, mesmo que para pacientes da colônia japonesa. Obviamente, existem outros ilustres nomes não citados aqui por questão de ética, já que não tenho autorização para mencioná-los.
Contudo, posso afirmar que vários professores médicos da Associação Brasileira de Acupuntura e de outras instituições de ensino de São Paulo foram perseguidos pelo Conselho Regional de Medicina de São Paulo(CREMESP), e outros tantos professores médicos da Academia de Arte e Ciência Oriental (ABACO/CBA) foram constrangidos, administrativamente, pelo Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro (CREMERJ) por lecionarem a Acupuntura para os outros profissionais da saúde. O derradeiro caso de perseguição culminou na prisão do acupunturista chinês Yu Tin há dois anos, por denúncia do CREMERJ, tendo o mesmo sido libertado e absolvido judicialmente da acusação de exercício ilegal da medicina.
Ao vetar diversos artigos da Lei do Ato Médico, incluindo aquele que queria estabelecer a privacidade da prática de Acupuntura para os médicos, a Presidente Dilma Rousseff evitou uma histórica injustiça, confirmando a prática da Acupuntura para aqueles que tenham formação própria, consoante às políticas públicas de saúde (PNPIC). A mencionada Nota Técnica do Ministério da Saúde, posterior aos vetos presidenciais, fortalece a liberdade de atuação do profissional em Acupuntura, aguardando a regulamentação profissional em curso.
Ao finalizar esta minha manifestação de repúdio ao ocorrido nos últimos 50 anos em face do exercício profissional da Acupuntura no Brasil, convido a todos os colegas para fazerem uma reflexão acerca da situação vivenciada por meio século por muitos de nós, considerando que a injustiça permeia todos os capilares da tessitura social e profissional, blindada pelo corporativismo, pela corrupção e, muitas vezes, pelo crime organizado, que sufoca o povo, destrói a esperança de cidadania, e impõe preceitos coletivos de aberração e de incongruência. Não é isto que queremos para nossos filhos e descendentes, tampouco para as novas gerações, e aquelas que estão por nascer.

Dr. Sohaku R. C. Bastos

Sohaku Bastos é o fundador do Sistema Educacional ABACO/CBA/IPS/FSJT e Diretor para o Brasil da World Federation of Acupuncture-Moxibustion Societies (WFAS), vinculada à Organização Mundial da Saúde (OMS). Exerce o magistério e atividade clínica em Acupuntura e MTC há 46 anos, no Brasil e no Exterior. Diretor da Associação Brasileira de Educação (ABE), exerceu o cargo de Conselheiro Estadual de Educação do Governo do Rio de Janeiro e, na qualidade de membro da Câmara Conjunta de Educação Superior e Profissional, foi o Relator da primeira legislação de educação profissional em Acupuntura e Terapias Naturais no Brasil - Deliberação CEE/RJ no 270/2001

No comments:

Post a Comment