Ao ler a Nota Técnica
do Ministério da Saúde de 26 de setembro de 2013, que conclui não existir
impedimentos legais quanto à atuação de diferentes profissionais de saúde no
uso da Acupuntura, bem como para os demais recursos da Medicina Tradicional
Chinesa - MTC voltados ao cuidado da população, recordo-me de meio século de
sofrimento e humilhação daqueles que enfrentaram o poder da repressão, da
perseguição e, algumas vezes, execrados do exercício da Acupuntura no Brasil.
Não obstante a
inexistência de uma legislação federal, que discipline o exercício da
Acupuntura e MTC no país, todos os verdadeiros acupunturistas brasileiros
comemoraram os vetos da Presidente Dilma Rousseff ao projeto de lei sancionado
em lei, que regulamentou o exercício da medicina no país. Tais vetos impediram
que a Acupuntura se tornasse uma prática estritamente médica e jogaram por
terra a ambição ambígua e mesquinha de uma corporação profissional que por um determinado
tempo proibia os médicos de praticarem a Acupuntura e, posteriormente, tentou,
por todos os meios, inclusive judicial e demanipulação midiática, proibir os
outros profissionais da saúde em exercê-la. A aludida corporação é o Conselho
Federal de Medicina, associado aos Conselhos Regionais de Medicina e as
entidades associativas da autointitulada Acupuntura Médica no país.
A maioria dos
profissionais de Acupuntura e MTC do Brasil desconhecem, lamentavelmente, a
história, uma verdadeira façanha dos esquecidos pela história mal contada da
Acupuntura brasileira. O que ocorreu nos últimos 50 anos no país em relação à
libertação do exercício profissional da Acupuntura merece, no mínimo, uma
recordação pesarosa, uma lembrança singela daqueles que enfrentaram o
radicalismo, e os vivos ainda sofrem com as sequelas deixadas pela praga do
corporativismo perverso, dissimulado e manipulador.
Alguns viraram a página
dessa infeliz história, mas não podemos apagar da memória o que aconteceu de
mal, e o legado da liberdade profissional deixado para os novos acupunturistas.
A verdadeira história
da Acupuntura brasileira, como eu tenho dito, ainda está para ser escrita.
Versões históricas incompletas e confusas carecem de autenticidade. A
verdadeira história da Acupuntura no Brasil necessita ser resgatada. Ao
esquecer os colegas pioneiros da luta pela Acupuntura como terapêutica
independente da medicina convencional, não apenas os que estão vivos, sobretudo
os que já morreram há muitos anos, subverte-se a verdade histórica e
enaltece-se a aleivosia. Muitas informações históricas importantes poderiam
enriquecer os dados dos historiadores a partir de informações que podem ser
obtidas
nas representações
diplomáticas e consulares do Japão e da China no Brasil, remontando à imigração
japonesa e chinesa ocorrida há mais de um século no país.
Ao recordar dos antigos
colegas perseguidos e humilhados, alguns já falecidos, outros no abandono do
anonimato e esquecidos, deixo-me envolver por um sentimento de saudade em
escrever estas palavras.
De saudade dos
companheiros que se uniram por uma causa heroica, insólita e extraordinária, e
de orgulho por ter participado daquela geração que alimentava sonhos,
ideologias e pureza de espírito. Ao mencionar alguns colegas corro o risco de
esquecer alguns, mas fica aqui a minha homenagem a todos eles, considerando a
minha humilde participação nessa história.
Primeiramente, os
acupunturistas japoneses e chineses, que chegaram ao Brasil no início do século
passado e que trabalharam clandestinamente sob a ameaça de serem presos por
crimes de curandeirismo e charlatanismo, posteriormente, os acupunturistas mais
novos, acusados, absurdamente, de exercício ilegal da medicina. Muitos foram
vítimas de perseguições, que se tornaram públicas, dentre eles, o nome
dofalecido professor Friedrich Spaeth. Lembro-me do Prof. Murata, meu primeiro
incentivador no estudo da Acupuntura, no início dos anos 60, na Liberdade, em
São Paulo, quando me confidenciou o medo de ser preso por praticar acupuntura,
mesmo que para pacientes da colônia japonesa. Obviamente, existem outros ilustres
nomes não citados aqui por questão de ética, já que não tenho autorização para
mencioná-los.
Contudo, posso afirmar
que vários professores médicos da Associação Brasileira de Acupuntura e de
outras instituições de ensino de São Paulo foram perseguidos pelo Conselho
Regional de Medicina de São Paulo(CREMESP), e outros tantos professores médicos
da Academia de Arte e Ciência Oriental (ABACO/CBA) foram constrangidos,
administrativamente, pelo Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro (CREMERJ)
por lecionarem a Acupuntura para os outros profissionais da saúde. O derradeiro
caso de perseguição culminou na prisão do acupunturista chinês Yu Tin há dois anos,
por denúncia do CREMERJ, tendo o mesmo sido libertado e absolvido judicialmente
da acusação de exercício ilegal da medicina.
Ao vetar diversos
artigos da Lei do Ato Médico, incluindo aquele que queria estabelecer a
privacidade da prática de Acupuntura para os médicos, a Presidente Dilma
Rousseff evitou uma histórica injustiça, confirmando a prática da Acupuntura
para aqueles que tenham formação própria, consoante às políticas públicas de
saúde (PNPIC). A mencionada Nota Técnica do Ministério da Saúde, posterior aos
vetos presidenciais, fortalece a liberdade de atuação do profissional em
Acupuntura, aguardando a regulamentação profissional em curso.
Ao finalizar esta minha
manifestação de repúdio ao ocorrido nos últimos 50 anos em face do exercício profissional
da Acupuntura no Brasil, convido a todos os colegas para fazerem uma reflexão
acerca da situação vivenciada por meio século por muitos de nós, considerando que
a injustiça permeia todos os capilares da tessitura social e profissional,
blindada pelo corporativismo, pela corrupção e, muitas vezes, pelo crime
organizado, que sufoca o povo, destrói a esperança de cidadania, e impõe
preceitos coletivos de aberração e de incongruência. Não é isto que queremos
para nossos filhos e descendentes, tampouco para as novas gerações, e
aquelas que estão por nascer.
Dr. Sohaku R. C. Bastos
Sohaku Bastos é o
fundador do Sistema Educacional ABACO/CBA/IPS/FSJT e Diretor para o Brasil da
World Federation of Acupuncture-Moxibustion Societies (WFAS), vinculada à
Organização Mundial da Saúde (OMS). Exerce o magistério e atividade clínica em
Acupuntura e MTC há 46 anos, no Brasil e no Exterior. Diretor da Associação
Brasileira de Educação (ABE), exerceu o cargo de Conselheiro Estadual de
Educação do Governo do Rio de Janeiro e, na qualidade de membro da Câmara
Conjunta de Educação Superior e Profissional, foi o Relator da primeira
legislação de educação profissional em Acupuntura e Terapias Naturais no Brasil
- Deliberação CEE/RJ no 270/2001
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