O médico e cientista Ricardo Brentani faz coro à
onda de críticas ao Ministério da Educação por permitir o funcionamento e a
abertura de cursos de Medicina de qualidade duvidosa.
Os médicos formados nessas escolas, diz ele,
colocam a saúde da população em risco.
“Quantas faculdades foram fechadas nos quatro anos
deste governo por causa do resultado ruim no Enade (Exame Nacional de
Desempenho de Estudantes)? Quantas escolas foram fechadas no governo anterior,
que tinha o Provão (antecessor do Enade)?
De que adianta ter avaliação se um mau resultado
não leva a uma punição?”,
questiona Brentani, presidente do Hospital do Câncer de São Paulo, um dos
diretores da Fapesp (órgão do governo paulista que financia pesquisas
científicas) e professor da USP.
A campanha contra a abertura indiscriminada de
cursos é liderada por entidades como o Conselho Federal de Medicina (CFM), a
Associação Médica Brasileira (AMB) e o Conselho Regional de Medicina de São
Paulo (Cremesp). Diante da pressão, o MEC baixou, no início deste mês, uma
portaria que deu ao Conselho Nacional de Saúde (CNS) a prerrogativa de se
manifestar sobre a abertura de cursos. No mesmo dia, porém, o MEC autorizou a
abertura de mais três cursos de Medicina no Estado de São Paulo.
Procurado pelo Estado, o Ministério da Educação
afirmou que não se manifestaria sobre as críticas dos médicos.
Para comprovar que não se aprende muito nas salas
de aula de Medicina, o Cremesp propôs uma prova aos alunos do último ano das
faculdades de São Paulo. Dos
sextanistas que resolveram o exame no ano passado, 38% foram reprovados. Esses
médicos provavelmente estão hoje em hospitais e consultórios.
No Hospital do Câncer, Brentani consegue manter a
qualidade do atendimento. Na unidade de terapia intensiva (UTI), por exemplo,
todos os 18 médicos têm doutorado. Fora de seu controle, a qualidade dos
profissionais de postos de saúde e outros hospitais tem repercussões -
negativas - no trabalho do Hospital do Câncer.
“Metade das pessoas que nos procuram
simplesmente não tem câncer.
Ou seja, um médico as encaminhou para cá
acreditando que elas tinham câncer.
E também recebemos pessoas que ouviram de
seus médicos que elas não tinham câncer, mas na realidade tinham.”
Além de o MEC não fiscalizar, segundo Brentani,
muitas faculdades não têm interesse em oferecer qualidade. “Com ou sem
qualidade, os estudantes pagam, porque querem ser médicos de qualquer jeito.”
Um exemplo disso é o fato de ele próprio, dono de um currículo invejável, ter
sido chamado uma única vez para ser professor numa faculdade particular. E isso
nos anos 60, quando ainda era um médico com pouca experiência.
Foram reprovados na prova do Cremesp 38% dos
alunos...
O número verdadeiro é maior que 38%. Como a prova
não era obrigatória, quem se apresentou foram os alunos que achavam que
passariam. Os que achavam que não passariam nem foram ao exame.
Se todos tivessem feito a prova,
o índice de aprovação teria sido muito, muito menor.
O ensino médico é ruim?
É muito ruim. As instalações das escolas não são
adequadas. Como se ensina histologia ou anatomia patológica sem microscópio? Os
professores também não são bons. Vemos nos jornais que há instituições privadas que contratam doutores
na véspera da avaliação federal e no dia seguinte demitem todo mundo e põem
gente menos qualificada no lugar, porque sai mais barato. E metade das escolas médicas não
tem nem sequer um hospital-escola próprio. Como vão ensinar medicina assim?
Elas fingem que estão ensinando...
Por que as faculdades não se preocupam com a
qualidade?
A formação de médicos virou business, virou
negócio. Por isso temos essa multiplicação desenfreada de escolas privadas. A maioria delas ainda não
percebeu que investir em qualidade dá dinheiro. Vamos sair da Medicina: você
conhece algum profissional formado na Fundação Getúlio Vargas que esteja
desempregado? Eu não conheço.
Como o sr. vê, na prática, essa formação ruim dos
médicos?
É simples: metade das pessoas que procuram o
Hospital do Câncer simplesmente não tem câncer. Ou seja, um médico as
encaminhou para cá acreditando que elas tinham câncer. E também recebemos
pessoas que ouviram de seus médicos que elas não tinham câncer, mas na
realidade tinham.
Isso tem a ver com formação ruim?
Evidentemente que sim. O último dado que conheço é que
apenas 17 escolas médicas do País têm a oncologia como disciplina na graduação.
A conseqüência disso é que morre no Brasil mais gente do que deveria.
O problema é a quantidade de faculdades de
Medicina?
Os governos são tolerantes, ainda não entenderam
que o diploma de curso superior não é um bem de consumo disponível conforme a
demanda. Não é porque você quer ser médico, advogado ou geofísico que você tem
o direito de ser médico, advogado ou geofísico.
Na Inglaterra, o governo determina o número de
estudantes de Medicina no país. Em Direito, a Ordem dos Advogados do Brasil conseguiu legalizar o
exame da ordem, ou seja, você só pode ser advogado se passar nessa prova. O
número de aprovados no exame da ordem é pequeno, assustador. A maioria dos
formandos é ruim. Eles, portanto, não podem ser advogados. De que vale uma
faculdade que não aprova seus alunos no exame da ordem?
Dois terços dos médicos brasileiros exercem a
profissão sem ter feito residência.
É a mesma coisa: de que vale uma escola que não
consegue aprovar nenhum
aluno num concurso de residência?
Deveria haver um exame obrigatório também na
Medicina?
O ideal seria que houvesse a fiscalização da
qualidade do ensino.
Quantas faculdades foram fechadas nos quatro anos
deste governo por causa do resultado ruim no Enade (Exame Nacional de
Desempenho de Estudantes)?
Quantas escolas foram fechadas no governo anterior,
que tinha o Provão (antecessor do Enade)?
De que adianta haver avaliação se um mau resultado
não leva a uma punição?
A sociedade precisa se mobilizar e cobrar essa
fiscalização.
Não é justo que o estudante pague por um curso caro
e não tenha uma qualificação adequada.
O que o sr. pensa quando vê esses alunos?
Eu tenho pena deles.
O ENTREVISTADO
Ricardo Brentani é médico e cientista na área de
tumores. Preside o Hospital do Câncer, é um dos diretores da Fapesp e dá aulas
na Faculdade de Medicina da USP. Foi ele quem trouxe para o País o Instituto
Ludwig de Pesquisa para o Câncer, em 1983.
Fonte: O Estado de São Paulo, 26.02.07
http://www.agencia.ufpb.br/vernoticias.php?pk_noticia=1586Nota: Nove em cada dez alunos (12,9%) do último ano de medicina foram reprovados no exame do CREMESP, em 2010.
Brentani publicou quase 200 artigos em periódicos científicos internacionais citados cerca de 4,5 mil vezes por outros pesquisadores.
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