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Saturday, 2 August 2014

50 ANOS DE REDENÇÃO DA ACUPUNTURA NO BRASIL



Prof. Sohaku Bastos

Ao ler a Nota Técnica do Ministério da Saúde de 26 de setembro de 2013, que conclui não existir impedimentos legais quanto à atuação de diferentes profissionais de saúde no uso da Acupuntura, bem como para os demais recursos da Medicina Tradicional Chinesa - MTC voltados ao cuidado da população, recordo-me de meio século de sofrimento e humilhação daqueles que enfrentaram o poder da repressão, da perseguição e, algumas vezes, execrados do exercício da Acupuntura no Brasil.
Não obstante a inexistência de uma legislação federal, que discipline o exercício da Acupuntura e MTC no país, todos os verdadeiros acupunturistas brasileiros comemoraram os vetos da Presidente Dilma Rousseff ao projeto de lei sancionado em lei, que regulamentou o exercício da medicina no país. Tais vetos impediram que a Acupuntura se tornasse uma prática estritamente médica e jogaram por terra a ambição ambígua e mesquinha de uma corporação profissional que por um determinado tempo proibia os médicos de praticarem a Acupuntura e, posteriormente, tentou, por todos os meios, inclusive judicial e demanipulação midiática, proibir os outros profissionais da saúde em exercê-la. A aludida corporação é o Conselho Federal de Medicina, associado aos Conselhos Regionais de Medicina e as entidades associativas da autointitulada Acupuntura Médica no país.
A maioria dos profissionais de Acupuntura e MTC do Brasil desconhecem, lamentavelmente, a história, uma verdadeira façanha dos esquecidos pela história mal contada da Acupuntura brasileira. O que ocorreu nos últimos 50 anos no país em relação à libertação do exercício profissional da Acupuntura merece, no mínimo, uma recordação pesarosa, uma lembrança singela daqueles que enfrentaram o radicalismo, e os vivos ainda sofrem com as sequelas deixadas pela praga do corporativismo perverso, dissimulado e manipulador.
Alguns viraram a página dessa infeliz história, mas não podemos apagar da memória o que aconteceu de mal, e o legado da liberdade profissional deixado para os novos acupunturistas.
A verdadeira história da Acupuntura brasileira, como eu tenho dito, ainda está para ser escrita. Versões históricas incompletas e confusas carecem de autenticidade. A verdadeira história da Acupuntura no Brasil necessita ser resgatada. Ao esquecer os colegas pioneiros da luta pela Acupuntura como terapêutica independente da medicina convencional, não apenas os que estão vivos, sobretudo os que já morreram há muitos anos, subverte-se a verdade histórica e enaltece-se a aleivosia. Muitas informações históricas importantes poderiam enriquecer os dados dos historiadores a partir de informações que podem ser obtidas

nas representações diplomáticas e consulares do Japão e da China no Brasil, remontando à imigração japonesa e chinesa ocorrida há mais de um século no país.
Ao recordar dos antigos colegas perseguidos e humilhados, alguns já falecidos, outros no abandono do anonimato e esquecidos, deixo-me envolver por um sentimento de saudade em escrever estas palavras.
De saudade dos companheiros que se uniram por uma causa heroica, insólita e extraordinária, e de orgulho por ter participado daquela geração que alimentava sonhos, ideologias e pureza de espírito. Ao mencionar alguns colegas corro o risco de esquecer alguns, mas fica aqui a minha homenagem a todos eles, considerando a minha humilde participação nessa história.
Primeiramente, os acupunturistas japoneses e chineses, que chegaram ao Brasil no início do século passado e que trabalharam clandestinamente sob a ameaça de serem presos por crimes de curandeirismo e charlatanismo, posteriormente, os acupunturistas mais novos, acusados, absurdamente, de exercício ilegal da medicina. Muitos foram vítimas de perseguições, que se tornaram públicas, dentre eles, o nome dofalecido professor Friedrich Spaeth. Lembro-me do Prof. Murata, meu primeiro incentivador no estudo da Acupuntura, no início dos anos 60, na Liberdade, em São Paulo, quando me confidenciou o medo de ser preso por praticar acupuntura, mesmo que para pacientes da colônia japonesa. Obviamente, existem outros ilustres nomes não citados aqui por questão de ética, já que não tenho autorização para mencioná-los.
Contudo, posso afirmar que vários professores médicos da Associação Brasileira de Acupuntura e de outras instituições de ensino de São Paulo foram perseguidos pelo Conselho Regional de Medicina de São Paulo(CREMESP), e outros tantos professores médicos da Academia de Arte e Ciência Oriental (ABACO/CBA) foram constrangidos, administrativamente, pelo Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro (CREMERJ) por lecionarem a Acupuntura para os outros profissionais da saúde. O derradeiro caso de perseguição culminou na prisão do acupunturista chinês Yu Tin há dois anos, por denúncia do CREMERJ, tendo o mesmo sido libertado e absolvido judicialmente da acusação de exercício ilegal da medicina.
Ao vetar diversos artigos da Lei do Ato Médico, incluindo aquele que queria estabelecer a privacidade da prática de Acupuntura para os médicos, a Presidente Dilma Rousseff evitou uma histórica injustiça, confirmando a prática da Acupuntura para aqueles que tenham formação própria, consoante às políticas públicas de saúde (PNPIC). A mencionada Nota Técnica do Ministério da Saúde, posterior aos vetos presidenciais, fortalece a liberdade de atuação do profissional em Acupuntura, aguardando a regulamentação profissional em curso.
Ao finalizar esta minha manifestação de repúdio ao ocorrido nos últimos 50 anos em face do exercício profissional da Acupuntura no Brasil, convido a todos os colegas para fazerem uma reflexão acerca da situação vivenciada por meio século por muitos de nós, considerando que a injustiça permeia todos os capilares da tessitura social e profissional, blindada pelo corporativismo, pela corrupção e, muitas vezes, pelo crime organizado, que sufoca o povo, destrói a esperança de cidadania, e impõe preceitos coletivos de aberração e de incongruência. Não é isto que queremos para nossos filhos e descendentes, tampouco para as novas gerações, e aquelas que estão por nascer.

Dr. Sohaku R. C. Bastos

Sohaku Bastos é o fundador do Sistema Educacional ABACO/CBA/IPS/FSJT e Diretor para o Brasil da World Federation of Acupuncture-Moxibustion Societies (WFAS), vinculada à Organização Mundial da Saúde (OMS). Exerce o magistério e atividade clínica em Acupuntura e MTC há 46 anos, no Brasil e no Exterior. Diretor da Associação Brasileira de Educação (ABE), exerceu o cargo de Conselheiro Estadual de Educação do Governo do Rio de Janeiro e, na qualidade de membro da Câmara Conjunta de Educação Superior e Profissional, foi o Relator da primeira legislação de educação profissional em Acupuntura e Terapias Naturais no Brasil - Deliberação CEE/RJ no 270/2001

A HISTÓRIA DA ACUPUNTURA E DA MEDICINA CHINESA: NO BRASIL E NO MUNDO



"A história é testemunha do passado,  
luz da verdade, vida da memória,
mestra da vida anunciadora dos tempos antigos."    
(Marcus Tullius Cícero - Roma, - 116 à - 43 A.C.)


 Prof. Sohaku Bastos

Dominar o conhecimento do passado ajuda a controlar o presente. Por outro lado, contar fatos supostamente ocorridos, quando inverídicos, reforça, socialmente, o que nunca existiu. Legitima-se,por meio da repetição e da multiplicação midiática, a distorção histórica dos fatos, transformando mentiras em verdades. Em alguns setores da sociedade se estabeleceu a “estória” se passando por história, mediante a manipulação de dados narrados pelos aproveitadores, pelos mais poderosos e pelos vencedores de conflitos e de guerras.
Muitas histórias da Acupuntura e da Medicina Chinesa são verdadeiros mitos. Algumas referências históricas não se impõem frente às pesquisas arqueológicas e ao crivo racional do estudo de obras e documentos históricos. Até o momento, os historiadores chineses ainda buscam mais evidencias e comprovações daquilo que é divulgado como verdade histórica.
Ao visitar o Museu da Medicina Tradicional Chinesa, em Beijing, China, pude contemplar a riqueza histórica dessa arte-ciência milenar. Muitos pesquisadores durante séculos se debruçaram sobre a magnitude histórica da Medicina Chinesa. Entretanto, ocorreram transformações políticas e conflitos na China durante o século XX, que abalaram as tradições e influenciaram a vida social e institucional do país. A Medicina Chinesa em alguns períodos da história política da China foi abandonada pelo poder público por influencia dos interesses da medicina ocidental. Períodos de conflito social impuseram severas baixas no emprego da Medicina Chinesa no país, agravando-se no governo de Chiang Kai-Shek, no qual um número expressivo de mestres de Medicina Chinesa emigrou para o exterior, sobretudo para Taiwan. O domínio Britânico, a invasão japonesa na China e o crescimento do Partido Comunista Chinês, além do advento da segunda guerra mundial ocasionaram um caos político-social no país, que só cessou com a tomada do poder pelos comunistas liderados pelo Mao Tsé Tung.
A posição de Mao Tsé Tung, quanto ao aproveitamento da Medicina Chinesa, era que ela deveria se integrar à Medicina Ocidental, herança dos colonizadores britânicos. Tal integração visava atender a imensa população do país que carecia de quase tudo, inclusive de alimentação, higiene, saneamento básico etc. O desafio de atender milhões de chineses levou o governo a criar formas especiais de formação em Medicina Chinesa de curta duração. Assim nasceram os “médicos pés-descalços” (Barefoot Doctors), que se instalaram nas “comunas” para socorrer as populações mais carentes.

Entre os anos de 1966 a 1976, Mao promoveu a Revolução Cultural, visando, entre outras coisas, tornar menos elitistas os sistemas educacional, cultural e de saúde da China. Durante este período sucedeu à adoção do termo “Medicina Tradicional Chinesa” em lugar de “Medicina Chinesa”. Mao lutou contra uma classe intelectual separada da grande massa populacional. A Revolição Cultural ao mesmo tempo em que resgatou e revitalizou a Medicina Chinesa milenar, também tentou promover uma integração dessa sabedoria médica tradicional com os conhecimentos científicos ocidentais.
Pragmaticamente, não era uma má ideia, mas como conectá-las no campo clínico já que se tratam de paradigmas distintos, com nomenclaturas, racionalidades e filosofias díspares? Esse desafio existe até o presente.
Um segmento da medicina ocidental, ao incorporar a Acupuntura às suas práticas tem tentado invalidar as teorias tradicionais da Medicina Chinesa, transformando a Acupuntura numa mera técnica terapêutica complementar, proscrevendo toda a tradição e conhecimentos milenares, dando-lhe outra roupagem. Devido a esse problema, órgãos da administração estatal da Medicina Chinesa da República Popular da China estabeleceram critérios acadêmicos e assistenciais, além de medidas de proteção histórica desse patrimônio cultural do país.
Devido a tantas narrativas que ocorreram no passado com a Medicina Chinesa no mundo, naturalmente, muitas manipulações históricas aconteceram e acontecem no Ocidente, no Brasil particularmente. A verdadeira história da Acupuntura no Brasil ainda está para ser escrita. A maioria das versões históricas são incompletas, simplórias ou direcionadas com finalidade de autopromoção ou por absoluta falta de informação de quem escreveu. A verdade histórica da Acupuntura no Brasil necessita ser resgatada. Ao esquecer os colegas pioneiros da luta pela Acupuntura como terapêutica independente da medicina convencional, não apenas aqueles que estão vivos, sobretudo os que já morreram há muitos anos, subverte-se a verdade histórica e enaltece-se a aleivosia. Infelizmente, trabalhos acadêmicos universitários foram realizados e fundamentados em histórias incompletas, fictícias ou equivocadas da Acupuntura brasileira. Muitas informações históricas importantes podem ser encontradas nas representações diplomáticas e consulares do Japão e da China no Brasil, remontando às imigrações, japonesa e chinesa, ocorridas há mais de um século.
Ao consultar dados históricos da Acupuntura e da MTC no Brasil, deparamo-nos com referências absolutamente conflitantes. As instituições médicas brasileiras de Acupuntura investem em informações que não condizem com a verdade histórica, visando fortalecer seus discursos corporativistas. Por outro lado, dirigentes de instituições particulares resolveram escrever a história da Acupuntura brasileira de acordo com seus interesses e intenções. A verdade é que os alunos e a sociedade em geral tomam ciência de informações falaciosas ou equivocadas, via internet, e repassam dados equivocados para frente.
É próprio da liberdade, entretanto, deixar que haja mais de uma versão histórica, as quais possam coexistir e até se contestarem, porém abrigar uma reelaboração da História com vista à institucionalização da mentira e de objetivos comerciais, até mesmo do fortalecimento do autorreconhecimento social e profissional, não pode e não deve ser tolerado. A memória coletiva e a memória das sociedades rejeitam a legitimação do erro histórico, pois sabemos que legitimar é dominar. Elaborar a História a partir de uma só fonte, geralmente autorreferencial, cheira a tirania ou impostura.
Os dirigentes de instituições de ensino da Acupuntura e MTC do Brasil, que poderiam se unir para fomentar uma pesquisa isenta sobre essa matéria histórica, por questão de vaidade e de concorrência de mercado na captação de alunos, muitas vezes não nutrem muita confiança uns pelos outros, acenando com simpatia apenas quando há “coincidência de interesses”. Por este e outros motivos, as versões históricas da Acupuntura no Brasil vão de relatos convincentes a pitorescas fantasias autoalusivas.
Aristóteles, filósofo grego, no terceiro século antes de Cristo, já dizia: "O historiador e o poeta não se distinguem um do outro pelo fato de o primeiro escrever em prosa e o segundo em verso. Diferem entre si, porque um escreveu o que aconteceu e o outro o que poderia ter acontecido."
Consideremos, então, que o que escreveram de equivocado sobre a história da Acupuntura no Brasil não se trata da prosa de um historiador, mas de verso de um poeta...
Oxalá, aqueles que, ao lerem este artigo, possam fomentar uma discussão ética, uma pesquisa isenta sobre a memória histórica da Acupuntura e da Medicina Tradicional do país.

Dr. Sohaku R. C. Bastos

Sohaku Bastos é o fundador do Sistema Educacional ABACO/CBA/IPS/FSJT e Diretor para o Brasil da World Federation of Acupuncture-Moxibustion Societies (WFAS), vinculada à Organização Mundial da Saúde (OMS). Exerce o magistério e atividade clínica em Acupuntura e MTC há 46 anos, no Brasil e no Exterior. Diretor da Associação Brasileira de Educação (ABE), exerceu o cargo de Conselheiro Estadual de Educação do Governo do Rio de Janeiro e, na qualidade de membro da Câmara Conjunta de Educação Superior e Profissional, foi o Relator da primeira legislação de educação profissional em Acupuntura e Terapias Naturais no Brasil - Deliberação CEE/RJ no 270/200

Friday, 1 August 2014

ENTREVISTA COM DR. SOHAKU (3)

TM: A agência de saúde mundial emitiu diretrizes sobre Segurança Cirurgica, Higiene das Mãos nos Cuidados de Saúde, Controle do Cólera, Tratamento da Malária, Qualidade do Ar e da Água Potável, Ruído Ambiental, etc. As Diretrizes da OMS sobre Formação e Segurança em Acupuntura, as Diretrizes da OMS para o desenvolvimento de informação ao consumidor sobre a utilização adequada de MT/MCA e as Diretrizes da OMS  para a formação de Profissionais tradicionais de saúde em Cuidados de Saúde Primários igualmente deveriam ser obedecidas tanto quanto as demais diretrizes?
Doutor Sohaku: Obviamente. Essas políticas foram construídas pela OMS depois de muitos estudos e pesquisas. Ignorá-las é um grande retrocesso político.
TM: Está na hora de ser feita uma análise criteriosa da situação das MTs no Brasil, baseada nas Resoluções e Diretrizes e demais documentos da OMS?
Doutor Sohaku: Certamente, mas quem vai fazer essa análise criteriosa? Imagino que o poder executivo, mas onde está a vontade política?
TM: O Sr. apóia o princípio da liberdade de escolha dos pacientes entre diferentes opções de cuidados de saúde, com base em provas e dados científicos?
Doutor Sohaku: Universalmente, defende-se o princípio da liberdade do paciente em escolher seu tratamento e profissional.
TM: No Brasil, poucos se deram conta que a Portaria 971, originalmente denominada como Política Nacional de Medicina Natural e Práticas Complementares (PNMPC) foi adotada EM CUMPRIMENTO DE APENAS UMA PARTE DAS METAS da Estratégia Global da OMS para a MT 2002-2005, um ano depois do prazo estipulado.
Com aquela estratégia a OMS estabeleceu uma série de metas para os Estados membros, como por exemplo, o RECONHECIMENTO DO PAPEL DO PROFISSIONAL DA MT na saúde; FORMAÇÃO BÁSICA EM ATENÇÃO PRIMÁRIA PARA PROFISSIONAIS MT, estudos de tratamentos seguros e eficazes para doenças com as maiores cargas, especialmente entre os mais pobres; critérios e indicadores para medir o custo-efetividade e acesso equitativo; bibliotecas digitais; controle de segurança de produtos e de práticas MT; critérios baseados em evidências sobre segurança, eficácia e qualidade de terapias MT; informações confiáveis para os consumidores sobre o uso correto e melhora na comunicação entre os profissionais alopatas e seus pacientes (a respeito do uso de MT). Já se sabe o porquê do Brasil não ter atingindo os objetivos da Estratégia Global da OMS para a MT 2002-2005?
Doutor Sohaku: No Brasil, as metas preconizadas pela OMS são assimiladas  paulatinamente, melhor dizer, seletivamente. A Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) foi criada somente em 2006, mesmo assim, muito timidamente. Ela necessita ser reformulada e ampliada para que seja realmente útil no socorro a população mais necessitada.

TM: A nova Estratégia de Medicina Tradicional da OMS 2014-2023 aprovada este ano pela Assembléia Mundial de Saúde foi desenvolvida e lançada em resposta à Resolução WHA62.13 e dedica mais atenção do que a anterior (2002-2005) ao PRIORIZAR nos serviços e sistemas de saúde os PROFISSIONAIS DA MT. Devemos ter esperanças que desta vez as metas serão atingidas? O que os profissionais MT podem esperar?
Doutor Sohaku: Eu acredito sinceramente que, mais cedo ou mais tarde, o Brasil vai estabelecer metas para atender as recomendações da OMS, apesar das dificuldades já mencionadas.
TM: De acordo com uma recente pesquisa nacional realizada pelo NCCAM dois terços das pessoas com mais de 50 anos estão usando alguma forma de MAC, mas sete em cada dez não discutem o uso com seus médicos. Os Estados Unidos têm seguido a Estratégia da OMS sobre MT ao fornecer informações confiáveis ao público, realizar pesquisas, manter um sistema de exames oficiais e ao promover a integração entre as duas formas de medicina. E recentemente o governo americano através do NIH/NCCAM lançou uma campanha educativa para incentivar a discussão sobre o uso de práticas complementares de saúde entre pacientes e provedores de cuidados de saúde. Podemos ter expectativas que o Ministério da Saúde irá lançar campanha semelhante? O governo lançou alguma cartilha explicativa desde 2002?
Doutor Sohaku: Eu arriscaria dizer que os EUA são os que levam mais a sério as Estratégias nesta área. O NCCAOM na muitos anos tenta fortalecer as políticas profissionais de Acupuntura e Medicina Oriental. A ex- presidente do órgão, Dra. Barbara Mitchium, em 1995, em San Francisco, EUA, disse-me que existia no país uma determinação em elevar o nível dos profissionais e das políticas da OMS.
TM: As pessoas pobres não podem procurar por aquilo que elas não sabem que existe. Como saberiam sobre as MTs?
Doutor Sohaku: Este é um grave problema social.
TM: De acordo com a OMS um dos desafios das MTs é a falta de organização da rede de profissionais. No Brasil temos um exército de reserva de profissionais das Medicinas africana, indígena e asiática. Como o Sr. percebe a situação organizacional deste setor dos “não bacharéis” em saúde? Entre os grupos de defendem a regulamentação das MTs, há alguma articulação entre os da medicina indígena, africana com os da medicina oriental?
Doutor Sohaku: Não percebo nenhuma articulação nesse sentido. Quanto aos profissionais “não bacharéis” em saúde, eles já se organizam através de associações e sindicatos.
TM: Há alguma forma de intercâmbio com organizações externas como EHPA (European Herbal Practitioners Association), AIHCP (Association for Integrative Health Care Practitioners), EFCAM (European Forum for Complementary and Alternative Medicine), WAIM (World Association of Integrated Medicine), FAIM (Foundation for Alternative and Integrative Medicine)?
Doutor Sohaku: No Brasil, não há muito interesse em parceria com essas instituições por falta de internacionalização institucional. As entidades brasileiras tendem às parcerias regionais.
TM: No 1º Congresso da OMS sobre MT a Diretora geral, Dra. Margareth Chan revelou que os dois sistemas de medicina, tradicional e ocidental podem, dentro do contexto de cuidados de saúde primários, se misturar em uma harmonia benéfica, sem choque, mas frisou que “Isso não é algo que vai acontecer por si só, que DECISÕES POLÍTICAS DELIBERADAS TÊM DE SER TOMADAS.” O Sr. acredita que estas decisões não são tomadas pelo fato das pessoas-gestores, academia, população- desconhecerem a vasta documentação da OMS sobre MTs?
Doutor Sohaku: O que a OMS recomenda, como já disse, passa despercebido muitas vezes no Brasil por vários motivos. Decisão política depende de vontade política. Este é o maior problema.
TM: A Diretora Geral da OMS também revelou que muitos países têm trazido os dois sistemas de medicina juntos em formas altamente eficazes, organizados em torno de cuidados primários de saúde onde a MT é bem integrada e fornece uma espinha dorsal aos cuidados preventivos e ao tratamento de doenças comuns, mas reiterou que as garantias para isto ocorrer devem estar na forma de sistemas de regulação, formação e licenciamento ou certificação. Está correta a afirmação de críticos que o Brasil, contrariando a OMS ao não regulamentar as MTs, está na contra mão do restante do mundo?
Doutor Sohaku: Com certeza! O sistema de saúde brasileiro privilegia a doença e a cura dela. Promoção da saúde e prevenção de doenças não dão lucros. Todos sabem que prevenir é mais simples, mais barato e mais humano. Não há no serviço público de saúde no Brasil um despertar maior para os benefícios das MTs.
TM: No mínimo, a formação de um acupunturista licenciado nos Estados Unidos é de três anos. Quatro anos é mais comum. Eles têm mestrado e alguns com doutorado estudam cinco anos ou mais. Ao se formar (escola credenciada) todos os acupunturistas têm de passar por vários exames para tornarem-se licenciados em seu estado. Além das exigências acadêmicas e estaduais, muitos acupunturistas procuram treinamento prático e orientação na forma de estágios e seminários de educação continuada. Porém, em muitos países, qualquer um pode auto-proclamar-se acupunturista, independentemente da formação, como é o caso do Brasil. Para manter sob controle a situação onde a exploração comercial da formação em Acupuntura não é incomum, com todas as consequências nefastas que disso decorrem, SISTEMAS DE EXAMES E LICENCIAMENTO SÃO NECESSÁRIOS PARA GARANTIR A COMPETÊNCIA dos formandos e para evitar a prática não autorizada, de acordo com a OMS. Por que no Brasil não se aceita o sistema de exames oficiais?
Doutor Sohaku: Eu acompanhei o desenvolvimento da Acupuntura e MTC nos EUA. Tornei-me, inclusive, membro honorário do conselho diretor do American College of Traditional Chinese Medicine, em San Francisco na Califórnia. Os americanos criaram seus sistemas oficiais de avaliação, certificação e licenciamento. Nos países que não possuem lei própria sobre o exercício da Acupuntura de da MTC,  várias tentativas de levar os exames internacionais de proficiência e acreditação das Federações Mundiais têm sido feitas. No Brasil, por exemplo, a World Federation of Acupuncture-Moxibustion Societies (WFAS) e a World Federation of Chinese Medicine Societies (WFCMS) promovem os Exames Internacionais, anualmente. Porém, muitos não querem se submeter a tais exames por não valorizarem o nivelamento internacional. Trata-se de um grande equivoco. Ao desqualificarem tal iniciativa fica patente que os críticos, em verdade, receiam que em não serão aprovados nos referidos exames. Lamentavelmente, a fragilidade profissional é muito grande, e muitos querem manter este estado de coisas.
TM: O Sr. representa duas entidades, WFAS e WFCMS, que têm um papel fundamental na questão da MTC mundo afora, pois realizam exames de proficiência internacionais. O Sr. poderia nos fornecer maiores detalhes sobre estes exames, a importância, a origem, os objetivos, os benefícios aos consumidores, a quem se destinam, a titulação conferida, as notas mínimas para aprovação, os níveis (doutor/técnico), etc?
Doutor Sohaku: Eu sou diretor da WFAS para o Brasil e sou membro acadêmico da WFCMS. Ambas as instituições são muito prestigiadas e seus exames de proficiência e acreditação profissional são promovidos em mais de 60 países. Elas são reconhecidas pela OMS e pelo Governo Chinês, respectivamente. Esses exames se destinam a todos os acupunturistas dos países membros, indistintamente. O objetivo é avaliar e titular o profissional internacionalmente. O título concedido é de “Acupuncture Doctor”, que significa Médico em Acupuntura, consoante o sistema de medicina tradicional da China. Ao todo são quatro provas e a média para aprovação é a nota 7 (sete).
TM: Os exames internacionais por elas promovidos são aceitos em muitos países e regiões e reconhecido pela OMS e pelo governo chinês (WFAS) embora ainda não o sejam no Brasil. Se existirem, como estão as tratativas para o governo brasileiro reconhecer oficialmente os profissionais aprovados nestas provas?
Doutor Sohaku: O fato da certificação internacional, seja da WFAS seja da WFCMS, não ser determinante para o exercício profissional no Brasil, não resta dúvida que o titulo internacional dá ao profissional um prestigio e reconhecimento internacional. Em verdade, todos deveriam conhecer e se submeterem aos referidos exames.
TM: Estes exames se constituem no segundo fato mais importante da história da MTC no país na opinião de alguns, depois de sua introdução pelos imigrantes chineses no início do sec. XIX. Será realmente um divisor de águas?
Doutor Sohaku: Acredito, sinceramente, que tanto o poder público quanto a sociedade brasileira, darão, mais cedo ou mais tarde, muito valor a esta titulação, até por força do reconhecimento internacional.
TM: Para atestar o nível de excelência, muitos alunos esperavam que seus professores e donos de escolas de Acupuntura fossem os primeiros a se submeter-e passar com louvor-nos exames internacionais da WFAS e da WFCMS. Muitos esperavam que eles dessem o exemplo como deram alguns Mestres, fossem lá na China... e trouxessem a láurea. Talvez com as maiores notas da história das Federações...  Isto não aconteceu e frustrou boa parte dos alunos. Como está a aceitação dos exames destas Federações por parte das escolas de Acupuntura, professores, profissionais e alunos?
Doutor Sohaku: Algumas escolas apoiam os exames. Porem, vejo que aqueles que criticam os exames internacionais não se sentem motivados a realizá-los por terem que voltar a estudar e por não vislumbrarem lucros com os mesmos. Infelizmente, alguns não enxergam a realidade internacional da Acupuntura e da MTC.
TM: Nesta época de Copa do mundo, a maior competição do esporte bretão-que surgiu na China, vimos as consequências da crise no sistema educacional, quando caiu um viaduto. O país ocupa péssimas colocações em exames internacionais e, internamente, em exame de ordem da OAB, nove em cada dez bacharéis foram reprovados; de forma semelhante, nove em cada dez bacharéis de medicina também foram reprovados nos exames do CREMESP (2010). Uma importante Associação de educação médica (ABEM) posicionou-se contrária ao exame e houve boicote de alunos. Em relação aos exames da WFAS e WFCMS, aconteceu algo semelhante em algum lugar no mundo? E no Brasil?
Doutor Sohaku: No Brasil houve uma acomodação dos órgãos profissionais em realizar o “exame de ordem”, que é uma avaliação periódica do profissional no sentido de mensurar a capacidade para exercer a profissão. A Ordem dos Advogados do Brasil, por exemplo, realiza o exame para conceder o registro de Advogado. Entretanto, a maioria das autarquias profissionais não adota tal procedimento. No caso da Acupuntura a situação é ainda pior, pois a profissão não é regulamentada, fazendo com que uma avaliação oficial não seja possível. Estabelece-se assim a incompetência e a falta de segurança do paciente e da sociedade.
Em muitos países a licença (License) para trabalhar em uma determinada profissão não é concedida apenas com a apresentação do Diploma de graduação, mas, também pela aprovação em exames nacionais, que tem validade temporária de 4 ou 5 anos. Após esse tempo a licença necessita ser renovada.
TM: O Código de Ética Médica desautoriza o emprego de técnicas sem comprovação cientifica e a Resolução CFM nº 1.499/1998 proíbe aos médicos a utilização de práticas terapêuticas não reconhecidas pela comunidade científica. O CFM NÃO RECONHECIA a Acupuntura (Resolução CFM nº467/1972 e Resolução CFM nº 1.295/1989), mas de hora para outra passou a reconhecê-la como especialidade, em 1995. Em 2001, no livro Acupuntura, Uma avaliação científica, Edzard Ernst e Adrian White asseguravam que: “as únicas provas seguras de que a Acupuntura é eficaz são para 03 (três) casos apenas: dor lombar, náuseas (impacto clínico incerto) e dor de dente, (eficácia pode não ser suficientemente convincente para ser vantajosa do ponto de vista clínico)”. Os autores concluíram: “Desemaranhar os efeitos da Acupuntura daqueles do placebo será uma tarefa fascinante, desafiadora e, sobretudo, NECESSÁRIA”. Baseados em quais provas científicas o CFM deu à Acupuntura o status de especialidade médica? Sem comprovação científica a Resolução sobre Acupuntura poderia ser revogada? Caso contrário, os médicos poderiam usar a Medicina antienvelhecimento, florais, etc.
Doutor Sohaku: Este é um grande problema. A cientificidade da Acupuntura, da homeopatia e de outros recursos das medicinas tradicionais tem sido contestada. Naturalmente, as pesquisas científicas já evidenciaram e comprovaram há muitos anos os mecanismos de ação da Acupuntura e de outros métodos, porém no caso da medicina convencional a situação é um grande imbróglio. Ao afirmar que uma especialidade médica seja legitima, necessita que a mesma seja aprovada pelo crivo da ciência de base cartesiana. Neste caso a Acupuntura e a homeopatia, reconhecidas pelo CFM com especialidade, jamais poderiam atender as exigências de cientificidade para ser um “Ato Médico”, devido a suas concepções vitalistas e o conceito de energética humana.
TM: Resoluções de Conselhos não têm poder para auto-regulamentar uma profissão. Entidades de defesa da MTC poderiam entraram com uma ADIN contra todos os Conselhos da área da saúde, no caso da Acupuntura? O Ministério Público poderia ser acionado (direitos difusos) contra estes atos internos dos Conselhos?
Doutor Sohaku: Eu entendo, assim como o Ministério da Saúde, em sua Nota Técnica de 2013, que a Acupuntura é uma atividade profissional distinta das demais profissões da saúde já regulamentadas. Entretanto, nada impede que um profissional da saúde possa estudar e praticar a Acupuntura. Cabe agora ao Congresso Nacional disciplinar o exercício da Acupuntura no Brasil.
TM: A MTC não é especialidade reconhecida pelo Conselho Federal de Medicina, pela Sociedade Brasileira de Medicina, pela Associação Médica Brasileira nem pelo MEC. No entanto existe o setor de Medicina Chinesa (Acupuntura) do Hospital São Paulo-UNIFESP, existe a MTC na Portaria 971 e alguns médicos dizem atuar em MTC. Como isto pode acontecer?
Doutor Sohaku: Realmente, trata-se de uma distorção de interpretação. Ao reconhecer a Acupuntura como especialidade, o CFM não vislumbrou estender o campo de ação para a MTC. Quem exerce MTC é quem é formado e licenciado para trabalhar com tal sistema de saúde, bem diferente do sistema alopático.
TM: Alguns médicos que querem exclusividade da prática de Acupuntura hoje não mais alarmam a população com os perigos de infecção por agulhas, mas batem agora na tecla do diagnóstico. Por outro lado, poucos se dão conta da gravidade da situação, uma vez que a residência médica não é obrigatória. Assim, a posse do diploma possibilita o exercício geral e ilimitado de toda a atividade médica. Um médico recém-formado, reprovado no exame do CREMESP- sem ter feito residência, pode começar a trabalhar com Acupuntura, mesmo sem o necessário conhecimento de MTC. Mais ainda, pode abrir escolas de Acupuntura e até criar uma sociedade. Estes médicos sem ter feito residência e reprovados no exame CREMESP, e que ainda assim podem exercer a Acupuntura, têm condições de fazer um diagnóstico correto usando seu raciocínio clínico?
Doutor Sohaku: Este é um sério problema no país. Trata-se da política de quem pode mais, pode menos. Nesse caso, não poderia, porquanto não é área legitima da ciência médica ocidental.
TM: Neste caso como ficam as questões de segurança, qualidade e eficácia? A população pode estar correndo riscos na mão de pessoas despreparadas?
Doutor Sohaku: Seguramente, há grandes riscos no exercício da Acupuntura no país. De um lado pessoas sem o mínimo treinamento e capacitação, de outro lado, profissionais de outras áreas, que se aventuram em praticar a Acupuntura sem uma formação adequada.
TM: Desde 1990 todos os médicos especialistas nos Estados Unidos devem fazer recertificação, sendo que a maioria das certificações de especialidades é válida para 10 anos (na medicina de família, a recertificação é feita a cada sete anos). Na Europa providências estão sendo tomadas para atender às exigências de recertificação obrigatórias onde os médicos têm de demonstrar que a medicina que eles praticam está atualizada. No Reino Unido, a partir de dezembro de 2012 todos os médicos foram obrigados a passar por avaliações anuais e verificações quinquenais de competência, a fim de garantir que ainda estão aptos a praticar a medicina. Médicos são impedidos de exercer a profissão caso não passem no exame. O Sr. é favorável à recertificação dos médicos?
Doutor Sohaku: Acertadamente, os países desenvolvidos adotaram essa política, visando, sobretudo, o bem estar do paciente.
TM: Na Inglaterra, o Inquérito Shipman questionou a validade do sistema médico existente e pesquisa do governo revelou sérias preocupações com 0,7% dos médicos–“uma porcentagem significativa”, de acordo com o Secretário de saúde. 0,7% são significativos apenas para o governo britânico ou o resto do mundo também, Brasil incluso?
Doutor Sohaku: As avaliações dos sistemas de saúde devem ocorrer periodicamente. Isso vai, mais cedo mais tarde, ocorrer em todos os países. É uma questão de tempo.
TM: O Brasil está longe de exigir a revalidação de toda a classe médica, mas o Conselho Federal de Medicina aprovou a Resolução CFM Nº 1.772/2005 especificando as regras para o profissional continuar a ser especialista. O Sr. concorda com a Resolução CFM 1.984/2012 que revogou a anterior?

Doutor Sohaku: Concordo com a necessidade da especialização, porém muitos títulos de especialidade perderam valor por estarem vinculados estritamente às sociedades das especialidades, e não ao MEC.
TM: Os atributos de um médico competente implicam em proficiência no conhecimento, habilidades de comunicação, trabalho em equipe, gestão, defesa da saúde, conduta ética, profissionalismo e excelência técnica. A segurança do paciente deve ser o objetivo de garantias de excelência na competência e desempenho profissional?
Doutor Sohaku: A segurança do paciente é prioritária em todos os sentidos. A garantia da competência profissional é diretamente proporcional à dedicação aos estudos e a aprovação na avaliação do conhecimento. Por este motivo, no caso do exercício da Acupuntura, é pertinente os exames internacionais da WFAS ou WFCMS para todos os acupunturistas do Brasil.