ISTOÉ – Qual o mercado de trabalho desses profissionais recém-formados?
Lopes – A alternativa atual é ir para os programas de médicos de família. É outro erro grave. O médico de família tem de ser um clínico muito bem formado, com bons conhecimentos de pediatria, ginecologia, obstetrícia, cirurgia, etc. Tem de ser um profissional que tenha por opção exercer essa área da medicina. Ou seja, o estímulo para ser médico de família não deve ser apenas o salário e um emprego garantido. Mas, na prática, é isso o que está acontecendo.
ISTOÉ – Como o paciente pode se precaver de eventuais danos causados por esses profissionais?
Lopes – Antes de dizer como o doente pode se precaver, acho que o jovem que procura a medicina deve fazer uma análise crítica da faculdade que pretende cursar. Dependendo da faculdade, é melhor seguir outras opções na vida, e não ser médico. Ele tenta o vestibular uma, duas, três vezes. Se entrou num lugar X, é melhor verificar como é o corpo docente, qual o modelo da faculdade, quais são os recursos materiais, o que ela representa no contexto médico, para que ele possa optar pelo curso ou não. Deve fazer isso para que não seja um frustrado mais tarde, para que não se veja fazendo uma medicina muito longe da que idealizou. Em relação ao paciente, chamo a atenção para a possibilidade de se pedir uma segunda opinião se a doença não é simples. Em vista de tudo isso, a segunda opinião passou a ser muito importante, principalmente para o paciente que não conhece o médico.
ISTOÉ – O que pode ser feito para evitar a criação de escolas médicas despreparadas?
Lopes – O CFM e a AMB se opõem à abertura de mais faculdades médicas – há atualmente três candidatas em São Paulo. Essas entidades se opuseram à criação das que vieram nos últimos dez anos. Mas nunca foram ouvidas. O que estranhamos é que algumas escolas são reconhecidas pelo Conselho Nacional de Educação após análise feita por pessoas que não têm a menor condição de aprovar coisa nenhuma. Mas seguramente essa nova administração, pelas pessoas que estão lá, irá impor um ritmo sério no que diz respeito à abertura de novas escolas. Acho também que deveria ser feita uma avaliação das escolas médicas por gente competente – e temos muita gente boa para isso. Não havendo condições de ensinar adequadamente, que fossem fechadas, doesse a quem doesse. E os alunos, remanejados.
ISTOÉ – Há outros problemas em relação ao ensino?
Lopes – Sim. O curso de graduação vai sofrer um prejuízo muito grande por causa dos cursinhos preparatórios para residência. Existem três ou quatro em São Paulo. Eles treinam os alunos exclusivamente para responder testes, baseados em provas anteriores. Isso bloqueia o raciocínio do aluno porque dá chavões a esses estudantes. Os alunos do quinto e sexto ano estão sacrificando a graduação no momento em que teriam de aprender raciocínio clínico, mecanismos de doenças, entre outros temas. Sacrificam esse período para decorar respostas e assim passar na residência. Isso é testemunho do curso mal dado. Esses cursinhos, que surgiram há três anos, estão lotados porque a graduação em si está ruim. No momento em que teriam de começar a agir como profissionais, eles ficam decorando testes dia e noite, permanecem o menos possível na faculdade e vão embora para poder passar na residência. Muitos alunos da Escola Paulista de Medicina, que têm raciocínio clínico, não entraram na residência, perdendo para alunos que fizeram o cursinho. Isso porque os testes habituais de residência não avaliam conhecimento.
ISTOÉ – O sr. acha que é preciso extinguir também os cursinhos preparatórios para residência?
Lopes – Eles deveriam ser proibidos. O cursinho preparatório é prejudicial às escolas médicas. Não ensinam absolutamente nada, a não ser como passar no exame para residência.
Antônio Carlos Lopes, presidente da Sociedade Brasileira de Clínica Médica
REVISTA ISTO É, 02/04/2003
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