Traditional Medisin foi criado com a intenção de fornecer informações sobre Medicinas Tradicionais baseadas em documentação fidedigna e em fontes primárias.
Neste primeiro ano de existência, Traditional Medisin teve acesso de pessoas de todo o mundo e inicia agora uma segunda etapa na divulgação de informações através de entrevistas com personalidades de destaque na área de MT no cenário mundial.
Professor Doutor Sohaku Bastos, um homem cosmopolita dono de uma visão de longo alcance e uma das referências em Medicina Tradicional no Brasil é o primeiro entrevistado do Traditional Medisin, por David Hruodbeorht.
A seguir, um breve currículo do Doutor Sohaku.
Diretor da WFAS (World Federation of Acupuncture and Moxibustion Societies), membro acadêmico da WFCMS (World Federation of Chinese Medicine Societies) e está ligado ao ensino das Medicinas Tradicionais, Complementares e Alternativas MT/MCA há mais de quatro décadas, sendo o fundador das primeiras instituições e escolas oficiais de Acupuntura e Medicina Oriental no Brasil. É autor de vários livros e possui entre vários títulos acadêmicos como o de Bachelor in Medicine e de Doctor in Acupuncture (Sri Lanka), Formação em Medicina Oriental – Koho, Mestre em Honno- Ryoho e Especialista emEletracupuntura (Japão). Foi aprovado com nível “A” nos Exames Internacionais de Proficiência e Acreditação profissional pela WFAS/OMS com a titulação de Acupuncture Doctor (China). Dr. Sohaku é membro titular da China Association of Acupuncture and Moxibustion (CAAM) e Membro da Comissão Científica Internacional da Revista Cientifica World Journal of Acupuncture and Moxibustion (WJAM) da State Adminstration of Traditional Chinese Medicine da Republica Popular da China.
Doutor Sohaku é Cônsul-Geral Honorário da República Democrática Socialista do Sri Lanka para os Estados do Rio de Janeiro e de São Paulo; Vice-Presidente da Federação das Câmaras de Comércio Exterior/Confederação Nacional do Comércio; Diretor da Associação Brasileira de Educação; Diretor Institucional da Faculdade São Judas Tadeu; Ex-Conselheiro de Estado de Educação do Rio de Janeiro e Membro da Câmara de Ensino Superior e Profissional; Relator da primeira legislação educacional de Acupuntura e Terapias Naturais do país – Deliberação CEE/RJ nº 270/2001; Ex-Vice-Presidente da Comissão de Educação à Distância do Estado do Rio de Janeiro; Ex-Chanceler para América do Sul e Reitor para o Brasil da "The Open International University for Complementary Medicines"; e Ex-Juiz Classista Federal do Trabalho do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região. Doutor Sohaku é, também, Mestre em artes marciais: 7º Dan de Jiu-Jitsu, 2º Dan de Judô e 9º Dan de Karatê.
Doutor Sohaku: O meu trabalho teve início há mais de 50 anos, quando entendi que o que eu estudava e trabalhava no Brasil não estavam de acordo com os meus sonhos. Construí a minha trajetória de vida fundamentada em valores que adquiri em minha infância e juventude nos anos 40 e 50 em contato com imigrantes japoneses com os quais iniciei as práticas do Judô, Jiu-Jitsu e, posteriormente, o Karatê. Entretanto, em 1957, ao ler o livro ”A Luz da Ásia” fiquei fascinado com a riqueza espiritual do Budismo. Inicialmente, desenvolvi interesse sobre o Zen-Budismo por sua afinidade com as artes marciais japonesas, e depois pelo Budismo Shingon, por sua conotação de cura espiritual, tornando-me monge budista em 1973, ordenado no Japão. A Medicina Oriental entrou em minha vida no final dos anos 50, quando meu professor de Judô me indicou um acupunturista japonês para tratar de uma lesão muscular. O acupunturista que me atendeu trabalhava clandestinamente, pois ninguém sabia o que era Acupuntura na época. Eu fiquei tão surpreso com o tratamento que pedi para ele me ensinar àquela técnica fantástica. Obviamente, eu era muito jovem para estudar Acupuntura, porém, o mesmo me deu uma preciosa orientação, que foi para eu ir estudar no Japão. Após a fundação de minha primeira academia de Karatê no Rio de Janeiro (Shidokan), em 1964, resolvi procurar alguma literatura sobre o assunto. Pouca coisa existia, na ocasião, apenas dois livros em francês. Poucos anos depois, conheci o Prof. Yoshishige Okai, que visitou minha academia, e eu, em retribuição, visitei o seu consultório de Acupuntura e Shiatsu. Ali começava a minha trajetória na Medicina Oriental. O Prof. Okai, docente formado na Escola Imperial de Medicina Oriental do Japão com o famoso mestre Ryuho Okuyama, aceitou-me como discípulo e, poucos anos depois, enviou- me para o Japão para estudar a Medicina Oriental com seus mestres. Após a minha primeira formação no Japão, no início dos anos 70, juntamente com o Prof. Okai, retornamos ao Japão para nos especializarmos em Eletroacupuntura, Seitai, Osteopatia e Honnô-Ryoho. Assim, ficamos vinculados às entidades japonesas de Acupuntura, Shiatsu e Medicina Oriental. Nos anos 80 e 90, porém, eu tive acesso como aluno a outras entidades educacionais da China, Sri Lanka, e Estados Unidos. Por obra divina, conheci grandes mestres aos quais eu reverencio até hoje e agradeço por tudo que fizeram por mim.
TM: : De acordo com a definição oficial da OMS: “Medicina Tradicional é a soma total do conhecimento, habilidades e práticas baseadas em teorias, crenças e experiências de diferentes culturas, explicáveis ou não, utilizados na manutenção da saúde, bem como na prevenção, diagnóstico, melhoria ou tratamento de doenças físicas e mentais”.
E segundo a agência mundial de saúde, os mais antigos sistemas terapêuticos existentes para a saúde e o bem-estar, chamados de Medicina Tradicional ou Medicina Alternativa e Complementar (MT/MCA), quando corretamente praticados, podem ajudar a proteger e melhorar a saúde dos cidadãos. No entanto, devem ser consideradas as questões de segurança, eficácia e qualidade-a base da defesa do consumidor, o que não é diferente, em princípio, do que sustenta a moderna prática médica.
Manter as exigências básicas para a prática das MT/MCA pode ajudar as autoridades nacionais de saúde no estabelecimento de leis adequadas e regras de licenciamento?
Doutor Sohaku: As políticas públicas de saúde envolvendo as chamadas “Medicinas Alternativas”, posteriormente, denominadas “Medicinas Tradicionais e Complementares” foram estabelecidas pela Organização Mundial da Saúde (OMS), inicialmente, em 1962, e depois, em 1978, durante as Conferências Internacionais de Cuidados Básicos em Saúde, que ocorreram na cidade de Alma-Ata, no Cazaquistão Soviético. Durante esses eventos ficou entendido que essas medicinas milenares deveriam ser resgatadas para atender a um expressivo segmento populacional de países pobres ou em desenvolvimento. Lamentavelmente, tais países não albergaram as práticas tradicionais de saúde nos anos subsequentes aos eventos mencionados, prevalecendo o atendimento com a medicina convencional por vários motivos. O primeiro foi a dificuldade dos ocidentais em conceberem as tradições médicas milenares. Os ocidentais foram, também, influenciados pelos lobbies da indústria farmacêutica, que divulgavam que as medicinas tradicionais não curavam, apenas controlavam os sintomas. Os outros motivos foram relacionados à carência de boa formação de profissionais e de políticas governamentais, que visassem baratear o custo de cuidados em saúde. Decisivamente, não havia, nem há atualmente, interesse mundial em promover saúde, mas sim curar doenças, uma vez que saúde não dá lucro financeiro, enquanto que curar doença, pelo contrario, alimenta uma estrutura médico-hospitalar-farmacêutico, que se apresenta na mídia e se fortalece na mente dos profissionais como soluções no atendimento à saúde publica que, por sua natureza, é elitista e excludente.
As autoridades públicas em saúde de diversos governos deveriam conhecer os benefícios reais das Medicinas Tradicionais para poder melhor promovê-las. Muitas dessas autoridades desconhecem as recomendações da OMS. Por este motivo, muito do que poderia ser aproveitado para o atendimento à população é ignorado.
TM: Os consumidores têm noção de seus direitos?
Doutor Sohaku: Os consumidores ficam assim classificados: não havendo promoção das Medicinas Tradicionais no serviço público, a população mais carente não tem acesso a este serviço. Por outro lado, a população abastada, pagando altos preços de tratamento no segmento privado, acessa com facilidade os tratamentos das Medicinas Tradicionais. Infelizmente, os direitos do cidadão, em geral, não são respeitados.
TM: De acordo com a OMS as MTs possuem fortes raízes históricas e culturais, sempre desempenharam um papel fundamental na saúde mundial e continuarão a ser utilizadas para tratar uma vasta gama de condições e doenças; estima-se que entre 70 e 95% dos cidadãos nos países em desenvolvimento dependam das MTs para cuidados primários de saúde. Muitas vezes nas áreas rurais, os medicamentos fitoterápicos, os tratamentos tradicionais e os profissionais tradicionais são a principal - às vezes a única - fonte de cuidados de saúde. Existem dados confiáveis sobre as MT, seus produtos, suas técnicas e seus profissionais, no Brasil?
Doutor Sohaku: Desconheço a existência, no Brasil de dados confiáveis quanto à qualidade de produtos e serviços em Medicina Tradicional. Entretanto, em outros países, geralmente do primeiro mundo, apresentam-se resultados positivos nesta questão. Realmente, no interior do Brasil e de outros países carentes, as plantas medicinais e outros recursos mais simples e de baixo custo são os tratamento mais indicados.
TM: A despeito dos progressos incessantemente alardeados, das inovações técnicas nos diagnósticos, nos tratamentos clínicos e nas aplicações de descobertas da ciência básica pela medicina moderna, as MT têm atraido cada vez mais pessoas. O uso das terapias complementares e alternativas se tornou uma indústria multi-bilionária que tende a continuar em franco crescimento. Quais os cuidados que devem ser tomados para evitar que a MT fique proibitiva ao homem pobre, uma vez que as MTs entraram no mercado da saúde?
Doutor Sohaku: Paradoxalmente, o crescimento das Medicinas Tradicionais no campo financeiro contraria o preconizado pela OMS quanto ao atendimento prioritário aos pobres de países e povos. As Medicinas Tradicionais, outrora Alternativas, conquistarem um grande segmento populacional nos Estados Unidos, resultando em milhões e milhões de dólares anuais envolvidos em assistência, educação, produtos etc. Assim também vem ocorrendo em outros países. Contudo, friso por necessário, que o resgate dessas medicinas deve passar pela ética social do atendimento aos mais necessitados.
TM: O aumento da utilização das MTs é alimentado por uma fé crescente nos “produtos naturais” como intrinsecamente bons e seguros, fé que é facilmente explorada comercialmente, mas mais difícil de explorar quando a MT está nas mãos de profissionais devidamente treinados, experientes e licenciados. Isto se aplica também ao Brasil?
Doutor Sohaku: Nem tudo o que é natural é bom e é seguro. A máquina comercial, visando apenas lucro, não pode estar acima do bem social. Obviamente, os profissionais bem qualificados distinguem muito bem aquilo que funciona daquilo que não serve, não cura, não é seguro, e que põe em risco a credibilidade assistencial.
TM: Para a UNESCO, não discriminação contra a MT implica reconhecê-la e respeitar os direitos dos profissionais tradicionais. Há discriminação contra as MTs? E contra seus profissionais? Qual é a situação no meio governamental, acadêmico e junto à população?
Doutor Sohaku: A UNESCO, como órgão das Organizações das Nações Unidas (ONU), teve o papel de reconhecer a Acupuntura e Moxabustão da Medicina Tradicional Chinesa como Patrimônio Cultural Intangível da Humanidade. Assim sendo, não há como haver discriminação das Medicinas Tradicionais. Há um hiato, um verdadeiro abismo, entre o que órgãos internacionais, como a OMS e a UNESCO, fomentam e preconizam, e o que alguns governos estabelecem em suas políticas públicas de saúde. Qualquer discriminação em relação às Medicinas Tradicionais é fruto de deplorável ignorância.
CONTINUA...
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